TEXTS



REGENERATING

 Fábrica Catalã, Azaruja.


Regenerating

 

Dizer que a obra de Mónica Capucho é composta de fragmentos, seria dizer que a obra foi inteira e não é mais. Não devemos confundir dimensão com integridade. Na verdade, a artista descola conceitos da realidade e cola-os em algo novo, criando significados e proporção. A artista é o agente que atribui habilidades regenerativas aos fragmentos, capacitando-os para a criação de um corpo. 

 

Em Regenerating, Mónica Capucho cria um corpo, composto por fragmentos de memória e presente, a partir da história do espaço da Fábrica Catalã. O espaço físico é explorado como o lugar conciliador de comunidade e natureza, que no Montado são esferas que se beneficiam mutuamente. 

 

Há três planos em Regenerating – criação artística, memória e comunidade – que existem unidos intimamente no espaço-tempo da exposição. A artista cria no seio da continuidade da natureza, anulando a distância entre passado e futuro, e fazendo um corpo presente, aberto em crescente ampliação, onde múltiplas durações coexistem.

 

Raquel Gaspar Silva

 


Regenerating

To say that Mónica Capucho’s work is composed of fragments would be to say that the work was whole and is no more. We must not confuse dimension with integrity. In fact, the artist unglues concepts from reality and glues them onto something new, creating meanings and proportion. The artist is the agent that confers regenerative skills upon the fragments, qualifying them for the creation of a body. 

In Regenerating, Mónica Capucho creates a body, composed of fragments of memory and present, from the history of the space of Fábrica Catalã. The physical area is explored as the harmonizing place of community and nature, which in Montado become mutually-benefitting spheres. 

 There are three planes in Regenerating – artistic creation, memory and community – which exist closely linked in the space-time of the exhibition. The artist creates within the continuity of nature, cancelling out the distance between past and future, and making a present body, open in increasing expansion, where multiple durations coexist.

 

Raquel Gaspar Silva




Uneven Order  | Exposição Individual 2020


CARLOS CARVALHO ARTE CONTEMPORÂNEA


           Durante o Verão de 1947, Yves Klein olhou para o céu e, contemplando a infinitude, usou-o como exemplo para pensar sobre as amplas possibilidades criativas da cor azul, declarando: “O azul do céu é a minha primeira obra de arte”[1]. Mais tarde esclareceria: “o azul não tem dimensões; está para além destas, enquanto que nas outras cores não é assim. Todas as cores despertam ideias associativas específicas enquanto que o azul sugere no máximo o mar e o céu, e estes, afinal, são, dentro da natureza real e visível, o que é de mais abstrato”[2]. Em 1947, Klein começou a produzir peças pintadas de uma só cor, chegando às quase duzentas peças, tendo registado a autoria do pigmento que se popularizou mais tarde como o IKB International Klein Blue. Acreditando que a cor era energia pura, adoptou o monocromatismo porque entendia-o como um caminho para a total rejeição da representação na obra e, por isso, um modo de atingir um nível máximo de liberdade criativa. Portanto, aplicou o azul em esponjas coladas em tela, em performances no corpo de modelos ou em esculturas, destacando-se as conhecidas representações do globo terrestre ou da Vitória de Samotrácia.
            Esta terceira exposição individual de Mónica Capucho na galeria Carlos Carvalho é composta por três núcleos distintos, agrupados por organizações formais similares entre si: de um lado as pinturas de vários formatos de outro as peças de parede e as peças de chão. Mais uma vez, a palavra cria um efeito de equilíbrio desafiando o papel que a mancha e a textura de cor adquirem na obra. A artista inscreve indicações, ora tautológicas, como por exemplo em “Interconnection of blue sequences”, ora confrontando o observador com uma suposta objectividade mostrando as frases: “Peculiar, Unfaked and Honest Blue” ou “Pure, Elegant and Sincere Blue” e quase dando ao azul uma dimensão afectiva, descrevendo o objecto criado e jogando com os significados e desenhos das palavras.
            Aparentemente objetivos e não referenciais, os trabalhos exibem um amplo mostruário de texturas, brilhos, pinceladas e matizes subtis que encerram em si próprios uma linguagem visível apenas quando detectada numa análise mais profunda. Mónica Capucho motiva-nos a observar mais além da aparência colocando jogos de ocultação do material, usando por exemplo superfícies com resultado visual semelhante, misturando inclusive pigmentos para o efeito, mas que se diferenciam na essência e na percepção ao toque. O espaço de decisão da artista está nas composições de materiais, nas texturas, e na sua articulação com o significado ou com o desenho da palavra. A materialidade é interpretada e compreendida em todas as suas dimensões: a artista mistura betão, madeira, pedra ou silicone, controlando os seus efeitos e a forma como se apresentam ao observador pensando na temperatura, no brilho ou na textura, na atração ou frieza, na dureza ou na maciez da matéria.
            Para Yves Klein, a adopção da cor única traz à obra um sentido de dissolução das diferenças dos materiais com vista à abstração total. No trabalho de Mónica Capucho, pelo contrário, a opção pela prevalência da cor única segue um caminho inverso convidando o observador a focar-se quase exclusivamente sobre as qualidades materiais do objecto. O cinzento e branco são cores auxiliares que agem para dar expressão ao azul porque tudo funciona em direcção à cor única. A escolha pelo quase monocromatismo permite ao observador ver o desenho formado pela composição dos materiais, texturas, consciencializando-o para o modo como estes afectam a nossa percepção da cor. As obras apresentam uma multiplicidade de variáveis em torno do azul seja este mate ou luminoso, com diferentes tons e intensidades analisando a sua força de amplificação para o espaço da galeria. A artista faz-nos, por isso, mergulhar no azul múltiplo, infinito e complexo e que se transforma com os diferentes materiais.
            Mónica Capucho pensa também na obra enquanto objecto que funciona como parte estruturante de um todo, não descurando o seu valor singular. A pintura-instalação torna-se fisicamente activa: a artista explora propriedades da obra no espaço analisando peso, estabilidade e densidade. Os trabalhos, de configuração puramente geométrica, expandem-se na visualidade da galeria, ora isolando-se em algumas instalações, ora fazendo parte de um todo global. Sendo uma exposição site specific, é no espaço que as obras se apresentam, pelas relações criadas entre cada uma e numa instalação que se coloca em diálogo com as linhas arquitectónicas das duas salas. A exigência no observador da propriedade física do objecto, designadamente a escala e a presença, fá-lo assumir um papel crucial, a par da importância da obra e do espaço. A opção pelo quase monocromatismo também confere à exposição essa densidade imersiva. O uso da cor predominante desmaterializa a obra, criando maior permeabilidade na sua relação com espaço de exposição. O foco, por isso, está na totalidade - a cor autonomiza-se, sai da pintura e liberta-se no vazio.
            Da mesma forma que Yves Klein inventou o pigmento IKB, tornando-se um químico em laboratório, a artista dirige o seu trabalho para a análise quase laboratorial da percepção da cor, dos materiais e das formas em articulação com o observador e com o espaço, convertendo esta exposição numa obra total com dimensão corpórea e sensitiva.


 [1] ) Alastair Sooke - “Yves Klein: The man who invented a colour" (28/08/14 http://www.bbc.com/culture/story/20140828-the-man-who-invented-a-colour
[2] ) Studio International”, Vol. 186 (1973), p. 43.


Patrícia barreira



CARLOS CARVALHO ARTE CONTEMPORÂNEA
Rua Joly Braga Santos, Lote F R/C

1600 - 123 Lisboa Portugal | Tel.+(351) 217 261 831 




UNEVEN ORDER | SOLO EXHIBITION (2020)


CARLOS CARVALHO ARTE CONTEMPORÂNEA


During the summer of 1947 Yves Klein looked at the sky and gazing at the infinitude used it as an example of thinking about the limitless creative possibilities of the colour blue, declaring: “the blue of the sky is my first work of art “[1]. Later he would explain “Blue has no dimensions; it goes beyond them, while the same doesn’t happen with the other colours. All colours stir up specific associative ideas, whereas blue suggests mostly the sea and the sky and these are, after all, in nature that is real and visible, completely abstract”[2]. In 1947 Klein started presenting works painted in one colour only, reaching almost two hundred pieces, having registered the authorship of the pigment, which later become popular as IKB, the International Klein Blue.
Believing that colour was pure energy, he adopted monochromatism, for he understood it as a way of totally rejecting representation in his work: he saw it as a means to get to creative freedom. Therefore he applied blue in sponges glued on canvas, in performances on the body of models or on sculptures, from which stand out the well known representations of the globe or of the “Victory of Samothrace”.
This third solo exhibition of Mónica Capucho in the gallery Carlos Carvalho is composed of three distinctive nuclei, grouped according to formal similar organizations; on one hand the paintings of different sizes; on the other the wall and the floor pieces. Once more the work creates a balance, challenging the role that both the colouring and the texture acquire in the work. The artist writes indications either tautological, as, for instance, in “Interconnection of blue sequences” or confronting the viewer with the supposed objectivity in sentences such as “Peculiar, unfaked and honest blue” or “Pure, elegant and sincere blue”. She is giving blue an almost affectionate dimension, describing the work and playing with the meanings and drawings of the words.
Apparently objective and non- referential, the works display a large show-case of textures, sparkles, brushstrokes and subtle hues, containing in themselves a language only understood in a deeper analysis.
Mónica Capucho motivates us to observe beyond the outlook, playing hyding games, using for instance, surfaces with a similar visual result, mixing pigments for the effect, but which are different both in essence and perception to touch.
The artist’ s decision capacity dwells in the composition of materials, in the textures, in their articulation with the meaning or the drawing of the word.
Materiality is interpreted and understood in all its dimensions: the artist mixes concrete, wood, stone or silicone controlling their effects and the way in which they present themselves to the viewer, thinking about the temperature, the sparkle or the texture, about the attraction or coldness, the harshness or softness of the matter.
For Yves Klein the adoption of one only colour brings to the work a feeling of dissolution of the differences in various materials, leading to complete abstraction.
In Mónica Capucho’s work, on the other hand, the option of the predominance of just one colour follows a different path, inviting the viewer to focus almost exclusively on the material qualities of the work. Gray and white work as auxiliary colours acting to give expression to blue, so that everything works towards one colour. The choice for the near monochromatism allows the viewer to see the drawing formed by the composition of the materials and the textures, making him conscious of the way in which these influence his perception of the colour.
The works show a multiplicity of variables around blue, dull or shiny, with different shapes and intensities, analysing the strength of amplification in the space of the gallery. The artist makes us, therefore, plunge in the multiple, infinite and complex blue, altering according to different materials.
     Mónica Capucho also thinks about the work as an object that functions as a structural part of a whole, not dismissing its singular value. The painting-installation becomes physically active: the artist explores properties of the work in space, analysing weigth, stability and density. The works in pure geometrical shapes, expand themselves through the gallery, either isolated, as is the case of some installations, or being part of a whole.
Being a “site specific” exhibition, it is in the space where the woks are displayed and through the relations created among them and each installation, that a dialogue is established with the architectural lines of the two rooms.
The demand on the observer of the physical property of the object, namely the scale and the presence, makes him play a crucial part, along with the importance of the work and the space. The option for the almost monochromatism also gives the display that immersive density. The use of a predominant colour dematerializes the work, creating more permeability in its relation with the display space.
Focus is, therefore, on the whole – colour becomes autonomous, gets out from the painting, frees itself in the emptiness.
In the same way as Yves Klein invented the pigment IKB, becoming a chemist in a laboratory, the artist directs her work towards the analysis almost laboratorial of the perception of colour, of the materials and the forms in articulation with the viewer and the space, covering this display in a whole work with a corporeal and sensitive dimension.


 [1] ) Alastair Sooke - “Yves Klein: The man who invented a colour" (28/08/14 http://www.bbc.com/culture/story/20140828-the-man-who-invented-a-colour
[2] ) Studio International”, Vol. 186 (1973), p. 43.


Patrícia barreira



CARLOS CARVALHO ARTE CONTEMPORÂNEA
Rua Joly Braga Santos, Lote F R/C

1600 - 123 Lisboa Portugal | Tel.+(351) 217 261 831 

www.carloscarvalho-ac.com



Solid Matter (2018-2019) - Galeria Municipal Vieira da Silva e Sala Multiusos, Loures. Portugal.


Solid Matter

Solid Matter é uma exposição que Mónica Capucho apresenta na Sala Multiusos e na Galeria Municipal Vieira da Silva, no Parque Adão Barata, em Loures. Mónica Capucho intervém em dois espaços contíguos, de carácter oposto mas complementar. Dois locais que se separam pela presença de um pátio exterior, mas que se ligam pela natureza do trabalho exposto.
A primeira sala (Sala Multiusos) afirma-se como um espaço ainda inacabado, onde a expressão dos materiais e a sua lógica construtiva é fortemente vincada. Enquanto espaço aberto, esta sala caracteriza-se pela sua extensão e marca-se pela presença do tijolo e da estrutura metálica, que surge de forma assumida. A segunda sala (sala de exposições da Galeria Municipal Vieira da Silva) aproxima-se ao ambiente anónimo de um vulgar White Cube, mas detém uma compartimentação menos evidente e algumas janelas sobre a dominante paisagem suburbana.
A exposição trabalha entre estes dois tipos de ambientes, contraditórios e marcantes do decurso da história da arte. Entre o estaleiro e a galeria, entre o espaço único e a compartimentação, entre a crueza do espaço frontal e a encenação do espaço branco.

I
Mónica Capucho aborda a palavra escrita e gere uma ideia que se forma em torno de uma lógica construtiva e, simultaneamente, constitutiva. Nas suas obras existem dois pontos que se distinguem, complementam e ganham expressão – a presença da palavra e a marcação de uma norma.
Na primeira sala, todo o espaço é ocupado por uma instalação composta por duas fileiras de objectos que se encadeiam para formar uma perspectiva. A perspectiva marca um ponto que existe para lá das paredes e define um caminho que nos convida a rodear o trabalho, levando-nos ao fundo da sala.
As palavras surgem pintadas sobre materiais de construção civil e a norma é ditada pela composição ordenada que estes elementos definem. Estes elementos dão corpo a uma base que, ao mesmo tempo, se torna princípio ordenador e elemento discursivo. Como nas páginas de um caderno pautado, as vigotas de betão ordenam duas linhas, com fiadas paralelas, onde se pousam placas de betão, madeira, cerâmica e vidro. Sobre estas placas, que detêm sempre o mesmo tamanho e são a planimetria de um tijolo, existem palavras que reflectem ou contradizem a natureza do sistema criado.
As obras trabalham com a força da gravidade, constroem-se por sobreposição, e dispõem-se no pavimento. Nessa articulação, as palavras ligam-se, os materiais cruzam-se, as frases emergem, os objectos ganham forma e os sentidos encadeiam-se. A palavra que surge em cada elemento é lida como afirmação e o vazio que fica entre cada parte, é lido como silêncio. Funcionando como pequenos Haikus, cada obra é feita do diálogo que se gera entre a matéria, a palavra, o espaço e o silêncio. Aqui, todas as obras são iguais no princípio ou na norma que os delineia, e diferentes naquilo que comunicam. Assim, a relação entre duas ou mais placas e a sua proximidade aos limites da base, acompanham a natureza do material e o sentido das palavras que sobre elas se inscrevem. Mónica Capucho cria um sistema de ordenação que cruza a natureza do que está fisicamente presente, ou do que se manifesta como matéria, com o carácter do que imaterialmente se invoca, ou do que se manifesta como palavra. A articulação entre estes elementos produz uma interlocução que funciona isoladamente para cada obra, mas que também relaciona as diferentes obras, o todo da instalação e o espaço envolvente.
Dir-se-ia que a artista ensaia uma lógica gramatical para algo que é intuído, procurando, no fundo, uma expansão do seu sentido. Cruzando algo físico, tangível e mensurável, com algo imaterial, invocatório e especulativo. Ou, como a própria refere, gerindo a obra com “um instinto racional”.

II
A sala de exposições recebe um conjunto de obras que ocupam as paredes e acompanham a compartimentação do espaço existente. Na sua maioria tratam-se de pinturas sobre tela que definem vários grupos de acordo com uma dimensão tipo. No total existem três grupos, com escalas e formatos diferentes, acrescidos de um outro, autónomo, no final da sala.
Nesta sala dá-se sentido a um diálogo entre a palavra e a geometria ou, predominantemente, entre a pintura e o seu suporte. Esse diálogo, que assenta numa concordância entre a ordem e a variação, ou entre o encaixe modular e a mudança de composição é, aqui, contrariamente à sala anterior, de ordem pictórica. Assim, se no outro espaço essa relação detém um vigor objectual, resultando num conjunto de esculturas que dão corpo a uma instalação, aqui essa relação tem uma leitura tendencialmente gráfica, que unifica a intervenção sem a moldar à existência de uma obra única.
Nestas obras, por uma outra via, a palavra nomeia, a proporção enquadra, e o suporte dá corpo. Este jogo de relações vive, aqui, de uma subtileza diferente, levando a que o registo escrito se funda com a base. E, deste modo, quando a cor da palavra é a cor do suporte, a mesma torna-se sussurrada, promovendo a curiosidade, a proximidade e a cumplicidade do observador.
A composição da imagem é explorada de múltiplas maneiras. Utilizando uma métrica, um encadeamento linear, assumindo a supressão da pintura e a cor da tela crua da base, ou a mudança de uma paleta pré-determinada que varia entre o preto, o branco e um conjunto de cinzentos intermédios. Em todos os casos, assistimos à criação de um alfabeto gráfico que, ora nos dá a ver a raiz da obra, ora no encanta com a sua expressão.
Nesta sala, destaca-se ainda um terceiro grupo que faz a ligação entre estas duas abordagens complementares. Este grupo, que se aproxima do trabalho que a artista desenvolve na Sala Multiusos, emprega, também, materiais de construção e relaciona-se com as palavras numa lógica corpórea, que é agora transposta para um registo bidimensional, de parede. Os materiais surgem apoiados num elemento horizontal e marcam uma sequência lateral, definindo um sentido de leitura que reforça e contradiz cada palavra acolhida e/ou cada frase construída. Estes elementos assumem, também, as proporções e as cores dos módulos empregues nas pinturas e conectam-se, dessa forma, com as restantes obras.

III
Dir-se-ia que, na Sala Multiusos descobrimos as obras com base numa análise racional para, depois, encontrar a sua dimensão poética. Por isso os textos são afirmados, os materiais são directos, a composição é clara e cada elemento reconhece-se por aquilo que na verdade é. Na sala de exposições, a ordem é inversa. Neste caso partimos seduzidos pelo envolvimento da composição para, só depois, lentamente, perceber a sua lógica de funcionamento. Por isso as palavras desaparecem na cor da base, a matéria é caracterizada pela tinta e a composição tem uma ordem que não é imediata.
Em ambos os casos, Mónica Capucho procede à elaboração de um sistema, de uma norma ou gramática visual, que é depois alterada (contradita e reforçada) pela inserção da palavra escrita. Algo que, numa abordagem sensível e inteligente, gere a parcimónia e a assertividade, encontrando sentido na singularidade que as obras emanam. Entre a regra e a excepção, entre o conjunto e o individual, entre o raciocínio e a sensibilidade.


Sérgio Fazenda Rodrigues

Solid Matter

Solid Matter is an exhibition staged by Mónica Capucho in the Multipurpose Room [Sala Multiusos] and at the Vieira da Silva Municipal Gallery, in Parque Adão Barata, Loures. Mónica Capucho intervenes in two adjoining spaces, opposite but complementary in nature. Two sites separated by the presence of an outside courtyard albeit connected by the character of the work on show.
The first room (the Multipurpose Room) is set up as a yet unfinished space, where the expression of the materials and their constructive approach is strongly inscribed. As an open space, this room is characterized by its length and stands out due to the presence of brick and a metallic structure which emerges very plainly. The second room (the exhibition room at the Vieira da Silva Municipal Gallery) draws closer to the anonymous atmosphere of a common White Cube, while still displaying a less evident compartmentalization and some windows overlooking the suburban landscape.
The exhibition takes shape between these two kinds of atmospheres, both contradictory and pivotal in the path of art history. Between the studio and the gallery, between single space and compartmentalization, between the rawness of the frontal space and the staging of the white space.
I
Mónica Capucho addresses the written word and generates an idea which is formed around a constructive and, at the same time, constitutive logic. In her pieces there are two elements that stand out, complement each other and become notable – the presence of the word and the establishment of a norm. In the first room, the whole space is taken up by an installation made up of two rows of objects that link up to form a perspective. The perspective sets a point which exists beyond the walls and defines a path that invites us to circumvent the work, taking us to the end of the room.
The words emerge painted on construction materials and the norm is prescribed by the ordered composition defined by these elements. They embody a base which becomes, simultaneously, ordering principle and discourse element. As on the pages of a ruled notebook, the concrete beams compose two lines, with parallel rows, where concrete, wood, ceramic and glass slabs come to rest. On these slabs, which are all the same size and constitute the planimetry of a brick, there are words that reflect or contradict the nature of the system created.
The artworks team up with the force of gravity, are constructed by overlap,
and are laid out on the pavement. In this articulation, the words connect, the materials intersect, the statements emerge, the objects are shaped, and the senses link up. The word that emerges in each element is read as a statement and the void which remains between each part is read as silence. Acting as small Haikus, each work is produced by the exchange it generates between matter, word, space and silence. Here, all the artworks are alike in the principle or in the norm which shapes them, and different in what they communicate. Thus, the relation between two or more slabs and their proximity to the limits of the base match the nature of the material and the meaning of the words inscribed on then. Mónica Capucho creates an ordering system which intersects the nature of what is physically present, or what manifests itself as matter, with the nature of what is immaterially evoked, or what manifests itself as word. The articulation between these elements produces a dialogue which functions in isolation for each artwork, but which also connects the different pieces, the whole installation and the surrounding space.
One might say that the artist is testing a grammatical logic for something which is intuitively perceived, deep down seeking an expansion of its meaning. By intersecting something physical, tangible and measurable with something immaterial, recollective and speculative. Or, as the artist herself puts it, by managing the work with “a rational instinct”.
II
The exhibition room houses a set of artworks which fill the walls and follow the compartmentalization of the existing space. For the most part, they are paintings on canvas defining various groups according to a standard size. Overall, there are three groups, featuring different scales and formats, plus another one, autonomous, at the end of the room.
In this room, meaning is given to a dialogue between the word and geometry or, predominantly, between the painting and its stand. This dialogue, which is based on an agreement between order and variation, or between the modular fitting and the change in composition, is here, contrarily to what happens in the previous room, pictorial in nature. Thus, whereas in the previous space this relation displays an object-based vigour, resulting in a range of sculptures which constitute an installation, here that relation has a reading that tends to be graphic, unifying the intervention without shaping it to the existence of a single artwork.
In these pieces, by another path, the word names, the proportion frames, and the stand embodies. This game of relations lives here off a different subtlety, leading the written register to blend with the base. And, in this way, when the colour of the word is the same colour of the stand, the former becomes

whispered, fostering the observer’s curiosity, proximity and complicity.
The composition of the image is explored in many ways: Using a metrics, a linear linkage, assuming the suppression of painting and the colour of the raw canvas of the base, or the shift from a pre-determined palette varying between black, white and a set of greys in-between. In every instance, we witness the creation of a graphic alphabet which one moment allows us to see the root of the work and the next charms us with its expression.
In this room, yet a third group stands out, establishing the connexion between these two complementary approaches. This group, which is closer to the work the artist creates in the Multipurpose Room, also uses construction materials and interacts with the words in a tangible rationale which is now translated into a two-dimensional register, that of the wall. The materials are laid out on a horizontal element and establish a lateral sequence, defining a sense of reading which reinforces and contradicts each word welcomed and/or each statement built. Also, these elements assume the proportions and colours of the modules used in the paintings, and in this way connect with the remaining pieces.

III
We might say that in the Multipurpose Room we discover the artworks on the basis of a rational analysis only to find their poetic dimension later. For this reason, the texts are stated, the materials are straightforward, the composition is clear, and each element is recognized for what it truly is. Now, in the exhibition room the order is reversed. In this case, we start out enchanted by the involvement of the composition only to figure out later, slowly, its rationale. For this reason, the words fade away in the colour of the base, the matter is characterised by the ink, and the composition has an order which is not immediate.
In both instances, Mónica Capucho undertakes the construction of a system, of a norm or visual grammar, which is then altered (contradicted and reinforced) by the insertion of the written word. Something which, taking a sensitive and intelligent approach, manages frugality and assertiveness, finding meaning in the uniqueness emanating from the artworks. Between rule and exception, between the whole and the individual, between reason and sensitivity.


Sérgio Fazenda Rodrigues 




UNDER PRESSURE   2017
Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor. Ponte de Sor, Portugal.

A possible image for the words

By Martim Dias

Every word has the power of building mental pictures, in the same way as images show the need for finding verbal justifications, integrating them at determined moments, defining them or simply offering them an approach to the temporality belonging to the scope of the word. We live sunk in a world of images and words, elements that often cross each other.

The deepening over the features inherent to the dialogue between word and image was always a prolific field of discussion, as Simonides1 states. He denominates painting as silent poetry and, on the other hand, poetry as talking painting. The 20th century is rich in declarations searching for a bigger relation among different language codes. From René Magritte, who tried to prove that words and images differ in how they are understood, to Christopher Wool, who, trough a process of taking texts of different sources, used the repetition and space between words and letters to break their primary meaning. In spite of the large scope of research developed around this subject, in the context of contemporary art there are several open lines of investigation following this discussion between two fields, considered complementary.

What does this mean? How is this defined? What can be seen? What can be drawn out of a word or of a text? These are some of the fundamental questions in an attempt of reading the work of Mónica Capucho. These are doubts that take shape in her way of understanding the ideas enclosed in verbal codes, far from the imagetic materialization, familiar to the onlooker, a way that goes beyond any verbal barrier.

The comprehension of a work undergoes a series of six steps- look, observe, see, describe, analyse and interpret. Because we are living the moment, sunk in a continuous present, as Jameson2 states, Under Pressure invites us to withdraw from the pressure inherent to the reversal of our own time.

This exhibition seeks to go beyond what is captured at first sight, what can be taken from the first viewing. Here the onlooker is given an approach through a number of mechanisms that connect human learning and human understanding, in the knowledge that each person is made of a complex texture.

In Under Pressure the process of converging the visible and the imagined is very clear, based on a triad that includes the word, the colour and the texture. This exhibition is directed by the search of stylistic resources, beneath an idea of replacement and visual reinvention based on contiguity and similarity.

So, clearly, mechanisms of metaphor and metonymy, common elements in the field of the word come up, but here they are drawn to the visual field. With this in mind Mónica Capucho tries to establish a relation of complicity between word and image. So the word becomes visible and the image becomes textualized in a connection that wears out logic and becomes an improbable trap for the onlooker.

This connection between word and image, either bi or tridimensional, asks for an effort of interpretation by the onlooker. Each work exhibited here has the capacity of existing on its own, in its unity. However it tries to establish new and unexpected readings starting from the complex relation between the onlooker and the whole.

page1image3676048
Under Pressure seeks to write and rewrite the aura of the words, proposing a reflection about their ability to enlarge, distort, translate or amplify the meaning underlying a set of works ordered in an unbroken form. This project is composed of a selection of words in which everything is imagetic, material, visible, making it essential to observe the whole set, cleansing each part with the purpose of establishing the appropriate articulation among the various elements. In some of the works an excess of meaning, of comprehension, can occur, based on what is not written, on what cannot be said, cannot be thought, can only be suggested.

And if at the beginning of this project we meet the word, at the end an image comes up, an object or perhaps even a new source of inspiration for the linguistic creation. 

PLUTARCO. De gloria Atheniensium 3.346f. citado por CAMPBELL, David A - Greek Lyric, Volume III, Stesichorus, Ibycus,. Simonides, and Others. Cambridge: Loeb Classical Library. 1991. p. 363.JAMESON, Frederic. El giro cultural: Escritos seleccionados sobre el posmodernismo 1983-1998. Buenos Aires: Manantial. 2010. p. 37.



Uma imagem possível para as palavras.

Por Martim Dias

Toda a palavra tem a capacidade de construir imagens mentais, assim como as imagens demonstram, em determinados momentos, a necessidade de encontrar justificações verbais que as integrem, as definam, ou simplesmente lhes ofereçam uma aproximação à temporalidade pertencente ao campo da palavra. Vivemos submergidos num universo de imagens e palavras, elementos cujos limites se cruzam com frequência.

O aprofundamento sobre as características intrínsecas ao diálogo estabelecido entre palavra e imagem foi, desde sempre, um fértil campo de debate, como afirma Simónides1, o qual denomina a pintura como poesia muda e, por outro lado, a poesia como pintura falante. O século XX é rico em manifestações que procuram uma maior relação entre distintos códigos de linguagens. De René Magritte, que procurou comprovar como as palavras e as imagens diferem nos seus modos de compreensão, a Christopher Wool que, através de um processo de apropriação de textos provenientes das mais diversas fontes, utilizou a repetição e o intervalo entre palavras e letras para romper o seu significado primário. Apesar da abrangência das investigações desenvolvidas em torno deste tema, prevalecem no contexto da arte contemporânea múltiplas linhas de investigação abertas que procuram prosseguir este debate entre dois campos tidos como complementares.

O que significa? Como se define? O que se vê? O que se pode extrair de uma palavra ou texto? Estas são algumas das questões basilares numa tentativa de leitura do trabalho de nica Capucho. São dúvidas que se formam a partir do seu modo de compreender as ideias contidas sob códigos verbais, longe da materialização imagética que é familiar ao observador e que ultrapassa qualquer barreira verbal.

A compreensão de uma obra está composta por uma série de seis passos olhar, observar, ver, descrever, analisar e interpretar. Num momento como o que se atravessa, mergulhados num presente contínuo como afirma Jameson2, Under Pressure convida-nos a um afastamento da pressão inerente à inversão que fazemos do nosso próprio tempo. Esta exposição procura ir além do que é capturado num primeiro olhar, o que é extraído à primeira vista. Aqui propõe-se ao espectador uma aproximação através de um conjunto de mecanismos que relacionam a aprendizagem humana e a compreensão humana, sabendo que cada indivíduo está constituído como uma textura complexa.

Em Under Pressure é evidente o processo de aproximação entre o visível e o imaginado, com base numa tríade onde se inclui a palavra, a cor e a textura. Esta exposição está orientada pela exploração de figuras de estilo, sob uma ideia de substituição e reinvenção visual,

page1image5888640
fundamentadas na contiguidade e semelhança. Com isto surgem, de forma clara, mecanismos próprios da metáfora e da metonímia, elementos comuns no território da palavra, mas que aqui se estendem ao campo visual. Com isto, Mónica Capucho procura estabelecer um nexo de cumplicidade entre palavra e imagem, no qual a palavra se visualiza e a imagem se textualiza numa relação que esgota a lógica e se transforma numa improvável armadilha para o espectador.

Esta relação estabelecida entre palavra e imagem, seja a mesma bi ou tridimensional, demanda um esforço interpretativo por parte do espectador. Cada trabalho que aqui se apresenta tem a capacidade de existir por si só, na sua unidade, sem deixar, contudo, de procurar estabelecer novas e inesperadas leituras a partir da complexa relação que se gera entre espectador e conjunto.

Under Pressure procura rever e reescrever a aura das palavras, propondo uma reflexão sobre a sua capacidade de ampliar, distorcer, traduzir ou amplificar o significado que serve de base a um conjunto de palavras ordenadas de forma contínua. Na seleção de obras que compõem este projeto tudo é imagético, matérico, visível, sendo necessário observar o conjunto, depurar as partes, com a finalidade de estabelecer uma articulação adequada entre os diversos elementos. No caso de algumas das obras apresentadas pode ocorrer um excedente de sentido, de compreensão, com base no que não está escrito, no indizível, no que não é pensado mas sugerido.

E se no início deste projeto nos encontramos com a palavra, no final surge uma imagem, um objeto, ou talvez uma nova fonte de inspiração para a criação linguística.


PLUTARCO. De gloria Atheniensium 3.346f. citado por CAMPBELL, David A Greek Lyric, Volume III, Stesichorus, Ibycus,. Simonides, and Others. Cambridge: Loeb Classical Library. 1991. p. 363.JAMESON, Frederic. El giro cultural: Escritos seleccionados sobre el posmodernismo 1983-1998. Buenos Aires: Manantial. 2010. p. 37.




Una posible imagen para las palabras
Por MARTIM DIAS

            Toda palabra tiene la capacidad de construir imágenes mentales, así como las imágenes demuestran, en determinados momentos, la necesidad de encontrar justificaciones verbales que las integren, las definan, o que simplemente les ofrezcan una aproximación a la temporalidad perteneciente al ámbito de la palabra. Vivimos sumergidos en un universo de imágenes y palabras, elementos cuyos límites se cruzan con frecuencia.
Profundizando sobre las características intrínsecas del diálogo establecido entre palabra e imagen, vemos que este ha sido desde siempre un fértil campo de debate. Desde Simónides de Ceos 1, quien se refiere a la pintura como poesía muda y, por otro lado, a la poesía como pintura hablante. Hasta el siglo XX, que ha sido rico en manifestaciones que buscan una mayor relación entre distintos códigos de lenguajes. Desde René Magritte, que intentó comprobar cómo las palabras y las imágenes difieren en sus modos de comprensión, a Christopher Wool quien a través de un proceso de apropiación de textos procedentes de las más diversas fuentes, utilizó la repetición y el intervalo entre palabras y letras para romper su significado original. Pero a pesar del alcance de las investigaciones desarrolladas en torno a este tema, prevalecen en el contexto del arte contemporáneo múltiples líneas de investigación abiertas, que intentan proseguir este debate entre dos campos considerados complementarios.
¿Qué significa? ¿Cómo se define? ¿Qué se ve? ¿Qué se puede extraer de una palabra o de un texto? Estas son algunas de las cuestiones básicas en un inicial intento de lectura del trabajo de Mónica Capucho. Son dudas que se forman a partir de su modo de comprender las
ideas contenidas bajo códigos verbales, lejos de la materialización de las imágenes que le son familiares al espectador y que sobrepasan cualquier barrera verbal.
La comprensión de una obra se estructura en una secuencia de seis pasos: Mirar, observar, ver, describir,  analizar e interpretar.  En un momento como el que atravesamos,  sumidos en "un presente continuo" como afirma Jameson2, Still Under Pressure nos invita a alejarnos de la presión inherente a la inversión que hacemos de nuestro propio tiempo. Esta exposición busca ir más allá de lo que se observa en una primera mirada, lo que se extrae a  primera vista. Aquí se propone al espectador una aproximación a través de un conjunto de mecanismos que relacionan el aprendizaje y la comprensión humana, sabiendo que cada individuo está constituido como una estructura mental compleja.
En Still Under Pressure, el proceso de convergencia de lo visible y lo imaginado es muy claro, basado en una tríada que incluye la palabra, el color y la textura. Esta exposición está guiada por la búsqueda de recursos estilísticos, bajo una idea de sustitución y reinvención visual, fundamentada en la proximidad y la semejanza. Con ello surgen, de forma clara,  mecanismos de metáfora y de metonimia, elementos comunes en el territorio de la palabra, pero que aquí se extienden al campo visual. Con ello, Mónica Capucho busca establecer un vínculo de complicidad entre la palabra y la imagen, en el que la palabra se hace visible y la imagen se convierte en texto, en una relación que agota la lógica y se transforma en una improbable trampa para el espectador.
Esta relación establecida entre palabra e imagen, sea esta bidimensional o tridimensional, demanda un esfuerzo de interpretación por parte del espectador. Cada trabajo que se presenta, tiene la capacidad de existir por sí solo, sin dejar de establecer nuevas e inesperadas lecturas a partir de la compleja relación que se genera entre espectador y conjunto de las obras.
Still Under Pressure busca revisar y reescribir el aura de las palabras, proponiendo una reflexión sobre su capacidad para ampliar, distorsionar, traducir o amplificar el significado que sirve de base a un conjunto de palabras ordenadas de forma continua. Este proyecto se compone de una selección de palabras en la que todo es imagen material, todo es visible, por lo que es esencial observar todo el conjunto, limpiando cada parte con el fin de establecer una articulación adecuada entre los diversos elementos. En el caso de algunas de las obras presentadas puede ocurrir que tengan un exceso de significado, de comprensión, en base a lo que no está escrito, en base a lo que no se dice, pero se sugiere.
Y si al principio de este proyecto nos encontramos con la palabra, al final surge una imagen, un objeto, o tal vez incluso una nueva fuente de inspiración para la creación lingüística.
- - -

1 PLUTARCO. De gloria Atheniensium 3.346f. citado por CAMPBELL, David A - Greek
Lyric, Volumen III, Stesichorus, Ibycus,. Simonides, y otros.
Cambridge: Loeb Classical Library. 1991. p. 363.


2 JAMESON, Frederic. El giro cultural: Escritos seleccionados sobre el posmodernismo 1983-1998. Buenos Aires: Manantial. 2010. p.37.







______


UNITS OF ORDER  | Biblioteca José Saramago | Loures 2016
1
WORDS HAVE FORMS
FORMS HAVE MEANINGS
MEANINGS HAVE FEELINGS
FEELINGS HAVE SENSES
SENSES HAVE COLORS
COLORS HAVE THOUGHTS
THOUGHTS HAVE DREAMS
DREAMS HAVE REALITIES
REALITIES HAVE PATTERNS
PATTERNS HAVE FORMS
FORMS HAVE WORDS

2
WORDS TURN TO SIGNS
SIGNS TURN TO IMAGES
IMAGES TURN TO DREAMS
DREAMS TURN TO REALITIES
REALITIES TURN TO THOUGHTS
THOUGHTS TURN TO LANGUAGES
LANGUAGES TURN TO SIGNS
SIGNS TURN TO WORDS

3
CONCEPT LEADS TO IMAGE
IMAGE LEADS TO REALITY
REALITY LEADS TO LIFE
LIFE LEADS TO PEOPLE
PEOPLE LEAD TO EXPRESSION
EXPRESSION LEADS TO ART
ART LEADS TO IMAGE
IMAGE LEADS TO CONCEPT


4
ART FOR THE PEOPLE
WORK FOR THE PEOPLE
MONEY FOR THE PEOPLE
FUN FOR THE PEOPLE

HAPPINESS FOR THE PEOPLE




Mónica Capucho


Looking for something


Looking for something (2015), de Mónica Capucho (1971), é uma série em que a palavra assume-se simultaneamente enquanto sujeito e objecto. Esta série consiste num conjunto de quase uma centena de trabalhos que adoptam formas diversas – ora telas, ora blocos de cimento, ora blocos de gesso, ora segmentos de madeira, ora acrílico transparente, ora papel. Looking for something parece, a uma primeira leitura, colocar a palavra no domínio da imagem.




Uma leitura mais profunda da série permite perceber o mais interessante da sua existência: o conjunto de trabalhos apresenta-se, por um lado, como investigação metódica, aos níveis conceptual e formal, sobre algo desejável mas não definido (something / alguma coisa), e por outro lado, como apelo à relação com o espectador, pelo confronto perante frases que remetem para questões universais do comportamento humano. As frases relacionam-se aqui com os materiais em que são inscritas, acentuando as suas leituras duplas. Trata-se assim, mais do que explorar os aspectos formais da palavra e da matéria, de hiperbolizar os seus significados duplos com recurso a comparações que remetem para observações do mundo que nos rodeia.




A série Looking for something revela camadas com várias leituras que estão muito para lá das sucessivas e irrepreensíveis velaturas da tinta que definem a sua forma. Camada sobre camada, em superfícies espessas, frases sobre diferentes superfícies e cores, revelam tantas camadas de interpretação quantas velaturas. Se olharmos para o momento da arte em que muitos artistas começaram a usar a linguagem como ferramenta, percebemos como o conceito, o processo e a forma se interligam. Por outras palavras, como a palavra pode ser, simultaneamente, sujeito e objecto, conceito e forma.




Na arte conceptual dos anos 60 tornou-se prática comum juntar texto a objectos, ao género de um dicionário com imagem a que a uma imagem correspondia um texto explicativo. Artistas como René Magritte, usaram o texto como anti-arte ou enquanto sentimento anti-estético, numa rejeição clara aos convencionalismos artísticos da época. Nas décadas mais recentes, artistas como Lawrence Weiner, Bruce Nauman, Douglas Gordon e John Baldessari começaram a usar a palavra enquanto trabalho artístico per se. Na arte contemporânea, a palavra tem sido ferramenta para explorar ideias tão diversas como a passagem do tempo; a evolução ou comportamento de um material sobre suportes como papel, pedra e parede; a construção de mensagens tão, aparentemente, absurdas quanto irónicas de observações que nos deixam num impasse entre o riso e a reflexão crítica; e o confronto directo com o observador provocando uma resposta imediata. E é precisamente neste modus operandi, entre reflexão sobre a matéria e observação dos comportamentos sociais e humanos, que o trabalho de Mónica Capucho assenta e onde reside o seu fascínio.




O seu trabalho, na diversidade dos materiais e suportes que utiliza, define situações que convocam o espectador para a redescoberta da palavra e dos seus significados múltiplos através de referências às memórias colectivas que por elas trespassam. Todos os trabalhos da série Looking for something, independentemente da matéria que os forma, são habitados por frases pintadas em letras maiúsculas de um mesmo alfabeto sem patilha, que começam, invariavelmente, por Looking for. Trata-se de uma procura sistemática de um qualquer objecto de desejo com a indefinição inerente à ideia de “something”. Por outras palavras, trata-se de procurar e desejar qualquer coisa, sem saber exactamente como definir aquilo que se deseja.




O conjunto de peças verticais, de 200x5x4 cm, pintadas nos opostos preto / branco, colocam-nos perante mensagens opostas mediante a posição em que estamos. Ora lemos as frases Looking for black, com a dificuldade de legibilidade imposta pela pintura a preto sobre preto, ora Looking for white, com a mesma legibilidade difícil, a branco sobre branco; ora Looking for visibility com letras brancas no grau máximo de visibilidade, pelo contraste com o fundo preto, ora Looking for invisibility, pintada a branco sobre fundo branco, recusando quaisquer contrastes visuais; ora Looking for disorder, ora Looking for order; ora Looking for more, ora Looking for less. Somos assim confrontados, preto no branco, com a permanente insatisfação e os sentimentos contraditórios que nos caracterizam enquanto seres humanos inseridos numa sociedade contemporânea.




As palavras da série Looking for something nem sempre são visíveis a um primeiro olhar. O conjunto de peças horizontais de 5x100x4 cm, pede-nos tempo, já que a legibilidade estará sempre condicionada às condições de luz e sombra inerentes ao espaço e da posição do espectador em relação aos objectos. Muitas vezes, as palavras aparecem pintadas na mesma cor numa tonalidade ligeiramente mais clara ou mais escura que a cor do fundo ou diferenciadas apenas por uma textura diferente. Outras vezes, surgem - palavras e fundo -exactamente na mesma cor, tom e textura pedindo ainda mais atenção de quem as observa. Frases como Looking for balance e Looking for support são pintadas a azul sobre azul; a branco sobre branco desvendam-se frases como Looking for white; Looking for heaven e Looking for discretion; a preto sobre preto Looking for rationality e Looking for mistery; a cinzento sobre cinzento Looking for silence; Looking for simplicity e Looking for sensitivity e a vermelho sobre vermelho podemos ler frases como Looking for red e Looking for love. Se umas vezes as palavras remetem objectivamente para as cores com que são pintadas, outras vezes apelam para o campo subjectivo das emoções que Mónica Capucho associa às cores, concedendo-lhes significados duplos como em Looking for justice pintada a preto sobre preto, num comentário irónico à justiça do tempo em que vivemos.


No mesmo conjunto de peças horizontais, há também frases que parecem saltar do fundo, pela força do contraste de cores a que se associa a força ou a ironia das mensagens: Looking for trouble pintada a preto sobre vermelho; Looking for intensity pintada a azul sobre o seu oposto, o laranja próximo do vermelho; Looking for uniqueness pintada a preto sobre fundo cinzento; Looking for isolation a preto sobre azul. Em qualquer uma das composições, parece sempre que as pinturas assumem uma personalidade própria com as quais nos identificaremos mais ou menos, mediante a nossa própria personalidade.


Numa série anterior, Banded Apparatus (2012), Mónica Capucho escolheu dar instruções precisas sobre o que podemos ver – one gray stripe, pintado a cinzento sobre uma tira igualmente cinzenta, com 5x100x4 cm; twenty gray stripes, pintada a cinzento em uma das vinte tiras de diferentes tonalidades de cinzento com intervalos de tiras brancas. Aqui, as frases pintadas por cima das telas, descreviam-nas factualmente num processo reminiscente de One and Three Chairs (1965) de Joseph Kosuth.


Em Looking for something, a matéria é tratada com o mesmo rigor das séries anteriores, o que implica enorme conhecimento e mestria técnica. Contudo, já não se trata tanto da reflexão sobre aquilo que vemos objectivamente ou do que é feito aquilo que vemos (como nos seus trabalhos de 2000, em que as palavras correspondiam ao nome técnico da tinta com que eram pintadas) mas muito mais de jogos de palavras, muitas vezes complexos e sempre numa relação de subjectividade perante o mundo que nos rodeia.


A materialidade da madeira dos trabalhos , de 185x200cm, da série Looking for something é reforçada pela técnica, com verniz que lhe desvenda os veios, e com as frases que servem, simultaneamente, de descrição do suporte – Looking for wood; Looking for nature – e de duplo sentido para o que a ideia desta matéria remete – Looking for simplicity. As palavras são, na sua etimologia (do Grego, parábola), poderosas construções comparativas. É da configuração da palavra como comparação com algo vivenciado que nasce o trabalho de Mónica Capucho, muito mais do que das formas das letras, das palavras e das frases. É assim, mais da ideia de que as palavras são dispositivos que geram uma articulação de vivências subjectivas a partir de um conjunto de observações sociais e menos a partir de uma estética das palavras enquanto organização visual que as suas composições se desenvolvem.


O trabalho de Mónica Capucho assenta no jogo da recepção, na medida em que todo o leitor reinterpreta, mas segundo possibilidades colocadas no texto, como implicou Mallarmé com a sua poesia simbolista. As peças de cimento, de acrílico, e de gesso, horizontais, de 5x100x4 cm, são exemplares no modo de construção das frases e das palavras que as habitam, com um apelo forte ao acaso, ao jogo e à ironia. Quando lemos Looking for concrete sobre cimento, Looking for transparency sobre acrílico e Looking for matter sobre gesso, é difícil escaparmos à interpretação e à relação com a existência - ou o desejo dessa existência – de alguma coisa concreta, transparente e com importância no nosso quotidiano. As possibilidades de interpretação serão tantas quantas pessoas lerem.


O que o processo compositivo da série Looking for something estabelece, em última instância, numa máquina irónica sobre a multiplicidade de significados da palavra e dos pensamentos que a originam, é a impossibilidade de textos definitivos. Tratam-se de exemplos de propostas que somadas, nas suas interpretações possíveis, traduzem uma ideia abstracta de linguagem. Estamos assim perante composições, interpretações e abstracções que são tão inerentes ao processo de construção de memórias colectivas que formam a sociedade como aos processos da arte, num constante limbo entre subjectividade e objectividade, entre conceito e forma.


- Luísa Santos

Agosto 2015
  



Mónica Capucho
Looking for something (2015) by Monica capucho (1971) is a series in which the word comes forward both as subject and as object. This series consists of a set of almost one hundred works using different materials – canvases, concrete blocks, plaster blocks, wood sections, see through acrylic or paper. Looking for something seems, on a first reading, to set the word in the field of the image.

A deeper reading of the series, however, allows a better understanding of the greater interest of its existence: the set of works appears, on one hand, as a methodical search, both at conceptual and formal levels, for something desirable yet not defined (something); on the other hand as an appeal to a relation with the looker-on through comparison of sentences that send to universal problems of human behaviour. The sentences are here related to the materials where they are inscribed, therefore emphasizing their double readings. More than exploring the formal aspects of the word and the material used, the purpose is to accentuate their double meaning, resorting to comparisons that send us back to observations of the world around us.

The series Looking for something reveals layers with various readings that go far beyond the successive and irreprehensible layers of paint defining its form. Layer upon layer, in dense surfaces, sentences on different surfaces and colours reveal as many layers of interpretation as layers of paint. If we look at that moment in art when many artists began to use language as a tool, we will understand how concept, process and form are linked together. In other words, we will understand how the word can be, at the same time, both subject and object, both concept and form.

In the conceptual art of the sixties it became common practice to add text to objects, like a dictionary with a picture, where to each picture corresponded an explaining text. Artist such as René Magritte used text as an anti-art or as anti-aesthetic feeling, in a clear rejection of the artistic stipulations of that time. In more recent decades, artists such as Lawrence Weiner, Bruce Nauman, Douglas Gordon and John Baldessari, began to use the word has an artistic work, per se. In contemporary art, the word as been the tool to explore ideas as different as: the passing of time; the evolution or behaviour of a material on surfaces such as paper, stone or wall; the construction of massages, apparently as absurd or ironic, of observations, leaving us between a laugh or a critical reflection; and the direct confrontation with the looker-on, causing an immediate response. And it is precisely in this modus operandi, between reflection about the material and observation of social human behaviour that Mónica Capucho’s work lies and there dwells its fascination.
Her work, in the variety of materials used, defines situations appealing to the looker-on to re-discover the word and its multiple meanings, through references to the collective memories they embody. All the works in the series Looking for something, besides the material giving then form, are inhabited by sentences painted in capital letters of the same alphabet. They start invariably by Looking For. It is a systematic search for a desirable object, yet not defined, as the idea of Something conveys. In other words, it is all about searching and wanting something without knowing exactly how to define it.

The set of vertical woks, 200X5X4 cm, painted in the opposites black/white, places us in front of opposing messages, according to our position. We either read the sentences Looking for black with the difficulty added by the painting of black letters on black background, or Looking for white with the same problem resulting from white letters painted on a white background; or Looking for visibility with white letters, very clear by contrast on a black surface; or Looking for invisibility, painted white on a white background, refusing any visual contrast; or Looking for disorder, or Looking for order; or Looking for more or Looking for less. We are thus confronted clearly with the permanent dissatisfaction and contradictory feelings proper to human beings living in a contemporary society.

The word of the series Looking for something are not always visible at first sight. The set of Horizontal works, 5X100X4cm, demands time, since the legibility is conditioned by light and shade of the area and by the position of the looker-on in relation to the objects. The words are often painted in the same colour of the background, only slightly darker or lighter, the difference being only in the textures of both letters and background. Other times words and background appear in exactly the same colour, shade and texture, requiring an even greater attention. Sentences such as Looking for balance and Looking for support are painted blue on blue; painted white on white one uncovers sentences such as Looking for white, Looking for heaven and Looking for discretion; painted black on black Looking for rationality and Looking for mystery; painted gray on gray Looking for silence, Looking for simplicity and Looking for sensitivity; and painted red on red we can read sentences such as Looking for red and Looking for love. If sometimes words are objectively connected with the colours used, other times they appeal to the subjective field of emotions that Mónica Capucho associates with the colour, giving then a double meaning, as in Looking For Justice painted black on black, in an ironic remark about the justice of the times we live in.

In the same set of horizontal works there are also sentences standing out from the background by the use of a strong colour contrast, associated with the strength or irony of the messages: Looking for trouble, panted black on red; looking for intensity, painted blue on its opposite colour, orange near red; Looking for uniqueness painted black on gray; Looking for isolation, painted black on blue. In all these compositions it looks as if each painting takes over its own personality, to which we would more or less identify ourselves according to our respective personalities.

In a former series Banded Apparatus (2012), Mónica Capucho chose to give precise instructions about what we could see – One gray stripe, painted gray on an equally gray stripe, 100X5X4cm, Twenty gray stripes painted gray in one of the twenty stripes in several shapes of gray, interspersed with white stripes. Here the sentences painted on the top of the canvases, described them objectively in a process that reminds us of One and Three Chairs (1965) by Joseph Kosuth.

In Looking For Something the material is treated with the same precision of the former series, witch implies a vast knowledge and technical mastership. However it no longer is a reflection of what we objectively see or of what the work we see is made of, (as in her works of 2000, where the words used corresponded to the technical name of the paint). It consists much more of playing with words, sometimes rather complicated and always in a relation of subjectivity before the world surrounding us.

The texture of the wood works, 185X200cm, of the series Looking for something is reinforced by the technique of applying a varnish to enhance the wood veins. The sentences used describe the material Looking for wood, Looking for nature and at the same time have a double meaning pointing to the idea of this material – Looking for simplicity. Words, from their etymology (from Greek, parábola) are powerful comparative constructions. It is from comparing the word with something experienced that Mónica Capucho’s work springs, so much more than from letters, words, sentences. It is so much more from the idea that words are vehicles generating an articulation of subjective experiences coming from word-aesthetics as a visual organization, that her compositions develop.

Mónica Capucho’s work is based on the game of reception, since every reader reinterprets, according to the possibilities set in the text, as Mallarmé implied with his symbolist poetry. The concrete, acrylic and plaster horizontal works, 5X100X4cm, are exemplary in the way of constructing the sentences and words that live in them, with a strong appeal to chance, play and irony. When we read Looking For Concrete on concrete, Looking For Transparency on acrylic or Looking for Matter on Plaster, it is difficult to escape interpreting and relating to the existence – or the desire for that existence – of something concrete, transparent and important in our daily lives. Interpretation possibilities are as many as the readers.

Last but not the least, what the composition process of the series Looking for something establishes, an ironic machine of multiple meanings of the word and thoughts that gave birth to it, is finally the impossibility of definitive texts. It is all about examples of proposals which, together with their possible interpretations, translate an abstract idea of language. We are thus facing compositions, interpretations and abstractions that are as inherent to the process of building the collective memories forming society as the processes, memories forming society as the art processes, in a constant limbo between subjectivity and objectivity, between concept and form.

Luísa Santos
Agosto 2015

Tradução:
Conceição Corte-Real





SENSE & SENSIBILITY

Abstract. This paper is about the relation visible/legible implied in the painting/in-scripture gesture, characteristic of paintings by Mónica Capucho. It also indicates the creativity games underlying all possibilities of pictorial accumulation by layers, and the mise-en-abyme made visible throughout site-specific installations.

Keywords: painting, visible/legible, installation, grid, game.


Resumo. Este artigo trata a relação visível/legível proposta no pintar/inscrever que caracteriza a pintura de Mónica Capucho. Aponta ainda os jogos criativos do seu trabalho: as possibilidades pictóricas da sobreposição e o mise-en-abyme da grelha, visível nas instalações site-specific.

Palavras-chave: pintura, visível/legível, instalação, grelha, jogo.



Introdução

Este artigo incide sobre a pintura de Mónica Capucho. Nascida em Lisboa em 1971, está representada nas galerias Quadrado Azul e CC – Arte contemporânea. O seu percurso de aprendizagem artística inicia-se na escola ARCO em 1988. Entre 1990-1993 reside em Bruxelas onde faz o curso intensivo de pintura na Escola de Artes Plásticas ALPACA e um estágio com o escultor Francis Tondeur. Em 1998, licencia-se em Pintura pela FBA-UL.
Figura 1. Objective and intentional (da série Objective paintings), 2006, técnica mista, 30x45x6cm.




1. Marca d’água

A aplicação de vernizes (brilhantes/baços) sobre o mesmo pigmento garante-lhe plasticidades distintas, nomeadamente a sensação ocular de profundidade e/ou superfície que abre o espaço da perspectiva na pintura. Este método pode ser pensado como “marca d’água” – termo originalmente aplicado à folha de papel para designar o desenho visível à transparência, que resulta das diferentes densidades e espessuras dessa folha. É “marca” pela aplicação sistematizada tornada estratégia plástica expressiva (Telles de Menezes, 2009, p.8). É “d’água” pela associação ao molhado, à tinta fresca que o brilho convoca, por oposição e contraste com a tinta mate, seca e opaca. O brilhante é reflexivo, luminoso, profundo. O mate tem características de superfície, de primeiro plano. Justapostos iludem profundidade. “Marca d’água” é, ainda, metáfora para as relações finura/espessura, bi/tri dimensionais, plano/saliência, postas em constante diálogo na sua pintura. Nos caracteres – cujo corpo da letra é corpo de tinta, corpo em espessura conseguido pela densidade pastosa do médium – cada letra, termo, frase salienta-se na superfície de representação (Figura 6) e, paralelamente, também a espessura da grade acrescenta uma dimensão escultural ao pintado.



Figura 1. Objective and intentional (da série Objective paintings)2006, técnica mista, 30x45x6cm.
<!--[if !vml]-->
Colecção particular. Fotografia da artista.

2. “The right combination of different elements can provoke a feeling of completeness”.
 Sense & sensibility (título tomado a Jane Austin) indica as duas características definidoras deste jogo criativo. A articulação entre a sensibilidade, propriamente sensitiva, dos sentidos da percepção, e o sentir enquanto pathos (das paixões, dos gostos, dos desejos) é doseada e reflexiva. É doseada a capacidade interferencial da inscrição na percepção do pictural, pela introdução de um enunciado na superfície pictórica, que sublinha ou desvia sentidos e influência, indica, dirige e manipula o observador. É reflexiva porque joga com os campos imagéticos próprios de cada uma das suas componentes, numa contaminação essencial que faz reverberar o visível no legível, e vice-versa. A linguagem abre o seu campo imagético: articulando-o na e como pintura, amplia a experiência de fruição.


Figura 2. Objective paintings, 2006, técnica mista, dimensões variáveis de montagem.
Colecção particular. Fotografia da artista.

3. “In my mind the idea of an organizational structure is continually growing”
Em Objective paintings (Figura 1 e Figura 2) os enunciados – irrepetíveis – obedecem à fórmula da dupla adjectivação. Inscrição/fundo são articulados segundo os contrastes fundamentados da teoria das cores.
Esta instalação implica uma organização espacial ortogonal – opção recorrente – e releva de uma outra figura geométrica: a grelha. Construída no afastamento que individua e demarca cada peça, no desenho branco da parede/suporte, passa de esquema de organização (criado na manutenção das distâncias entre as peças) a figuração pictural, propondo-se como mise-en-abyme. Contudo, Reason from within recusa múltiplos enquadramentos: dá a ver-se simplesmente, ou antes, infinitamente (Figura 3).
A inscrição pintada congrega funções de enunciado, legenda e título. Ao contrário de outros trabalhos (onde ocupa a posição central e destacada como figura principal, assunto da pintura), aqui coloca-se no limite: afasta-se do protagonismo, desloca-se discretamente em direcção ao invisível. A elaboração cuidadosa desta composição (posição, linguagem, idioma) actua directamente na percepção visual: o olhar oscila entre ver e ler.


Figura 3. Reason from within, 2007, técnica mista, 100x100cm.
Colecção particular. Fotografia da artista.

4. “Geometric patterns can evoke a rational need to escape from the reality”
A figuração geometrizada da superfície espessa-se por camadas sucessivas de tinta, que se sobrepõem sem se cobrir totalmente. O corpus pictórico constrói-se pelo excesso deste fazer, nesta acumulação por layers. A máscara (dispositivo técnico) possibilita o jogo (estrutural) mostrar/esconder. Paralelo à própria lógica do desejo, do jogo erótico (ocultar/exibir), e como estrutura de manifestação da verdade, este jogo é o de toda a criação, na medida em que entre guardar e revelar, entre esconder e pôr em evidência, cria-se expectativa e curiosidade no observador.
O tempo é imprescindível neste fazer pintura, neste escrever pictórico. Um último gesto processual inscreve: a pasta preenche cada traço exigindo precisão e rigor na aplicação. Acresce ao fundo geometrizado e faz crescer “qualquer coisa” na pintura. Este “qualquer coisa” é o ampliar da pintura pela articulação cores/palavras: vai exigir um tempo para ver que inclui o tempo de ler. Isoladas, as frases são statments. Como pintura surpreendem: cada pintura parece dizer o mesmo mas mínimas alterações garantem um dizer outro.
A repetição é, aqui, da ordem da alteração: repete-se para ficar diferente, para individuar. Na aparente similitude apreende-se a fórmula e, simultaneamente, percepciona-se o que individua: um jogo de estratégias subtis altera o mesmo em direcção ao diferente. Declinações, variações, desvios, repetições introduzem-se na regra como estratégia criativa e/ou de representação desta encenação da ordem.



Figura 4. Origina e Similar (da série “Original/forgery), 2006, técnica mista, 40x45x4cm + 40x45x4cm.
Colecção da artista. Fotografia da artista.

5. “Emotions follow a complex set of tensions between concept versus image”
O re-dobrar/des-dobrar do real é uma problemática antiga. A série original/copy (Figura 4), paradigmática do jogo das aparências, ficciona a cópia pela repetição. Da ordem da alusão (eco da oralidade, reflexo da visibilidade), a cópia é pensada como re-figuração – como repetição da representação primeira – como captura da aparência do que é autêntico.
Todas as pinturas têm igual presença, importância e cuidado na representação. Contudo, a inscrição remete-as para planos distintos, planos que são critérios de avaliação, de julgamento (múltiplo/original, ilusório/real, falso/verdadeiro, repetido/singular, enganador/autêntico, representação/presentação, cópia/modelo). Este envio perverso é uma artimanha da linguagem. O espaçamento horizontal separa as “original” (em cima) das “copy” (em baixo); acentua o jogo de antónimos: por cima significa superiormente colocado em relação a, que evidencia metáforas. Por cima é o espaço celestial, o mundo elevado das ideias. Alude a Platão, que coloca o modelo e a cópia nos antípodas um do outro. Por baixo, num jogo sinonímico, estão os enunciados que duplicam, repetem, ecoam, reflectem o modelo como outro.

6. “Different sensibility comes from an intuitiveness founded in the imperfections of our mind”
Duas fórmulas dividem a representação dos enunciados: Monocromática (Figuras 1, 4 e 5) – cada termo transparece num apagamento que dá lugar ao sentido: a leitura é fácil – Ou policromática (Figura 5) – a plasticidade sobrepõe-se à legibilidade (Lyotard, 1971, p.79). No monocromatismo absoluto (Figura 6), a letra camufla-se, os enunciados dão-se a ver/ler pelos jogos transparente/opaco das tintas e reflexão/absorção da luz/sombra (própria e projectada) dos relevos.


Figura 5. Original (pormenor), (da série “Original/forgery”), 2006, técnica mista, 40x45x4cm.
Colecção da artista. Fotografia da artista.








Figura 6. knowledge (da série “Words”), 2005, óleo sobre tela, 30x60x4cm.

Colecção da artista. Fotografia da artista.







Conclusão

Na pintura de Mónica Capucho perpassa um sentido objectual que reside no rigor de um fazer táctil que dá a ver, e a sentir pelo olhar, o jogo das texturas, dos relevos, dos brilhos. Equaciona figuração geometrizada e inscrição pintada na representação/ apresentação da pintura. À morfologia das letras (direcções, curvas, distâncias e relações-entre, que as individuam) a artista aplica uma fórmula: o quadrado enforma o desenho numa nova tipo-grafia. No primeiro plano, cada termo transparece em direcção ao visível para logo desaparecer no lugar do significado. Do tratamento plástico destes caracteres depende a facilidade/dificuldade da leitura: quando a escrita se encena pintura, o enunciado dilui-se na sua morfologia pintada, no corpo espesso da tinta, no irreconhecível.



Referências

CAPUCHO, Mónica: www.mónicacapucho.com

LYOTARD, Jean-François, Discours Figure, Paris, ed. Klincksieck, coll. d’esthétique, 1971 (1ª edição). ISBN : 2 252 03368 2.

TELLES DE MENEZES, Salvato, Introdução, in Under deconstruction: Mónica Capucho/ De la expresíon al contenido: Ana Sério, Valência, Edições IVAM, 2009. ISBN: 978 8448253431

M.P. Prieto - Ema M.
12/2011





BANDED APPARATUS & PAPERWORK
Exposição (dupla) individual de pintura de Mónica Capucho
Galeria Dois Paços, Torres Vedras
Abril/Maio de 2012

 Mónica Capucho é uma artista de uma enorme coesão na sua proposta pictórica. No seu trabalho, a poïesis – quer dizer, a capacidade criativa – dá a ver-se como pintura. Uma pintura em potência porque traz consigo enunciados que a carregam de significados. Este carregar é como uma carga, uma força, que se inscreve como linguagem mas ultrapassa em muito a formulação linguística. Ultrapassa pelo gesto com que se inscreve, no próprio pintar de cada letra, na espessura de tinta que sobressai da superfície, do pigmento escolhido e na íntima relação de acumulação de enunciados linguístico e pictórico (seguindo os termos da semiologia).
Banded Apparatus é, antes de mais, uma proposta transtextual uma vez que relaciona o texto (linguagem), o pintado (pintura) e o ritmo (música): o texto, pela inscrição vertical em cada pintura a destacar cada letra de uma frase tipo (número cor forma); o pintado, como meio escolhido pela artista para essa inscrição; o ritmo na proposta sequencial da instalação.
É na matriz da frase (número, cor, forma) que se encontra a chave destas combinações. O número está implícito no ritmo, impõe-se como pensamento matemático patente na organização do espaço e do tempo em partes (proporções). É essa a experiência in situ desta exposição: uma dança sobre a parede branca (em vez do chão) porque se destina ao olhar. Nesta dança a artista convoca o branco da parede como uma risca mais a participar no aparato. Da proporção e do ritmo nasce a forma e a fórmula: rectângulos verticais criam um aparato de tiras coloridas: Banded Apparatus. O título da exposição não é apenas descritivo é também enunciado poético que celebra a festa da Inauguração. Inaugurar significa fazer como da primeira vez, repetir a primeira vez, ao mesmo tempo que celebra o factum est do trabalho artístico. Assim, a festa é inseparável do ócio como celebração do que foi feito. A ociosidade festiva contém uma dimensão essencial da praxis em que o simples fazer quotidiano não é negado nem abolido, mas apenas suspenso e tornado ocioso. A conclusão deste trabalho criativo consiste na festa da sua exibição, pelo ócio do criador. A inauguração é a festa da ociosidade onde se exibe o que foi criado pois, então, o criador oferece aos outros o seu trabalho.
Para além do enunciado genérico, existem enunciados pintados onde as pinturas se descrevem, apontam-se umas às outras ou para si mesmas: duplicam-se pela linguagem (aparentemente).

PaperWork é uma série de pinturas sobre papel onde a inscrição pintada faz referência ao limite que separa o enquadramento da tinta e a superfície suporte. A inscrição parece repetir uma fórmula e, contudo, ora indica, ora mostra, ora coloca um problema ao nível da percepção. A aplicação de uma mesma cor na inscrição facilita a leitura e cada termo torna-se transparente, desaparece para dar lugar ao seu sentido. Mas, exactamente porque «Ceci n’est pas une pipe» ou, nos termos da artista, o enunciado «gray» é inscrito numa outra cor que não o cinzento, cria-se um conflito perceptivo entre o que se vê e o que se lê. Este conflito é manifesto sobretudo ao nível da memória, quando a posteriori, e na tentativa de recordar uma destas obras, cada visitante saberá se é leitor ou observador, justamente porque como leitor se lembrará da cor inscrita, e como observador recordará o pigmento da inscrição.  

M. P. Prieto / Ema M.
Lisboa, 10 de Março de 2012

Mónica Capucho is an artist who shows an admirable cohesion in her pictorial proposal. In her work the poïesis – meaning the creative talent is translated as painting. A painting enhanced by the other meanings brought along. This acts as a load, a strength witch goes, by far, beyond the linguistic expression. It goes beyond, through the gesture applied in the painting of each letter, in the thickness of paint that stands out against the surface, in the pigment chosen and in the intimate relation of the gathered linguistic and pictorial expressions (following the semiology terms).

Banded Apparatus is, above all, a transtextual proposition since it relates text (language), paint (painting) and rhythm (music). Text, trough the vertical inscription, in each painting, bringing out each letter or a phrase (number, colour, form); paint, as the means chosen by the artist for that inscription; rhythm, through the sequential proposal for the installation.

In the source of the phrase (number, colour, form) can the key to these combinations be found. The number is implied in the rhythm, it imposes itself as mathematical thinking, partly visible in the organization of space and time.

This is the experience in situ of the exhibition: a dance on a white wall (instead of on the floor), since it is meant for the eyes. In this dance the artist summons the white colour on the wall as another band to become part of the apparatus. From the proportion and the rhythm comes out the form and the formula: vertical rectangles create an apparatus of coloured bands: Banded Apparatus. The title for the exhibition is not only a description but also a poetical expression celebrating the festivity of the Opening. To inaugurate means to do as for the first time, as if it were, repeat for the first time and simultaneously celebrate the factum est of the artistic work. In this way festivity cannot be disconnected from leisure as a celebration of the work done. The festive leisure encloses an essential dimension of the praxis in which the plain daily work is neither denied nor abolished, but only suspended and turned idle. The conclusion of the creative work consists on the celebration of this exhibition by the creative leisure. The inauguration is the celebration of leisure where what was created is presented when the creator offers the others his work.

Beyond the generic enunciation there are painted presentations in which the paintings are self- descriptive, pointing to each other or to themselves: they (apparently) double themselves through the use of language.

Paperwork is a serious of paintings on paper where the painted inscription makes a reference to the limit separating the framing of the paint from the supporting surface. The inscription seams to repeat the formula but, however, it either indicates, or shows, or poses a problem at the level of perception. By applying the same colour on the inscription it makes the reading easier and each term becomes transparent, it disappears to give way to its meaning. But exactly because “ceci n’est pas une pipe” or, in the artist’s words, the enunciation “gray” is inscribed on a colour which is not gray, a perceptive conflict arises between what is seen and what is read. This conflict is apparent above all at the level of memory when, a posteriori, and in trying to remember one of these works, each visitor will know if he is a reader or an observer. In the first case he will remember the colour inscribed and in the second one he will remember the colour of the inscription.


Possessive Statement

Consta numa das etapas das Expositions des Arts Incohérents, em 1983, Alphonse Allais terá exibido uma das primeiras manifestações do espaço vazio na história da arte. Apresentou então uma moldura sem tela, a que deu o título Tableau d’à Venir. Desde então, têm sido muitas as formas de o vazio se manifestar, desde a galeria vazia com a montra vazia de Yves Klein, à declaração de Ben N’Expose Pas, de Ben Vautier. A ausência ainda preenche muitas propostas de arte contemporânea, aliás.
A exposição que Mónica Capucho apresenta agora segue essa linha, mas incute-lhe uma variação fundamental: a da posse. Começa com uma sequencia de 36 peças em mdf pintadas com várias cores. Estão quase todas dispostas em grandes quadrículas, realçando o vazio que deixam nas paredes brancas. Cada uma  delas tem inscrito uma negação: “It Doesn’t Have To Be Like This”, numa das peças, ou “It Doesn’t Have To Be Serious”, numa outra cinzenta, são alguns exemplos. Têm jogos de significados que tanto nos confrontam com cada uma das peças como com toda a exposição.
Porém, após várias conjugações, estas peças passam a uma fase em que o vazio predominante se chega ao preenchimento e ao padrão, nas várias acepções do terno. Aí encontram-se cinco telas, de183x183 cm também acompanhadas (confrontadas?) por uma peça de mdf pintado e outras negações inscritas (como “It Doesn’t Have to Be Square”, por exemplo). São telas ocupadas por padrões, obtidos através de um método a que Mónica Capucho gosta de chamar “instinto racional”. A forma como estes padrões preenchem o vazio é notória, remetendo também para as convenções do que poderá ser uma “obra de arte”, enquanto objecto de posse e transacção.
A última obra desvenda toda a exposição. É novamente uma peça em mdf, desta vez isolada, colocada na horizontal e num ponto alto da parede. É a única que contem uma afirmação: “It Just Have To Be Mine”, que é uma declaração de posse totalizadora.
Ben Vautier complementou o seu Ben N’ Expose Pás com um Ben Expose Partou, assim como a única forma de Arman conseguiu encontrar para responder ao Le Vide de Yves Klein foi o de atafulhar a mesma galeria com tralha. Chamou-lhe  Le Plein.

Sérgio Gomes da Costa
01/07/2010



Uma questão de pormenor

Durante séculos, a função da pintura foi de contar histórias. Santos, santas, animais, personagens mitológicas, retratos de reis e rainhas, auto-retratos de artistas, até, falavam, para alem ou através da riqueza de cor e luz, dos modos de representar, apropriar e dar a ver o espaço, de uma narrativa implícita: a da mestria de quem fazia, a do poder de quem encomendava e, à medida que a contemporaneidade ia chegando, a história sempre complexa, íntima, pessoal e cada vez mais óbvia do próprio artista.
Perante a pintura de Mónica Capucho, que não conta histórias mas que se serve de matéria – prima dessas narrativas para existir, é legitimo recordar essa função antiquíssima da arte. Tudo se passava, no modo antigo de conceber o mundo, como se a multiplicidade de imagens se acrescentasse pouco a pouco à fragmentação do mito. Cada história contada (ilustrada) materializava-se porque havia um pensamento anterior, primordial, que se duplicava e reflectia especularmente nela. Por exemplo: se As Meninas de Velásquez são, alem de um ponto fulcral da história da pintura, a representação figurada da omnipresença do olhar do rei (do poder do rei) no mundo, essa representação foi possível porque a teoria política barroca assim o tinha previamente determinado. Um artista não é um mero propagandista, mas tudo o faz, porque tudo se insere num circulo económico definido num dado tempo histórico, é passível de leitura politica.
Regressando às Meninas, o quadro de Velásquez não seria o mesmo sem a leitura do pormenor da imagem dos reis vistos no espelho. É esse pormenor, que ainda hoje só é perceptível por quem mantenha o dom raro de saber ver ou quem conheça a célebre interpretação de Foucault, que dá todo o sentido à pintura. Pintura essa que, aliás, se destinava a reflectir em todo o momento o poder de quem a via: destinada ao palácio real, não seria, como hoje é, objecto de visita apressada pelas multidões que percorrem o Museu do Prado. Digamos que, aqui, o pormenor é elevado à categoria de chave para abrir o sentido da pintura (ao mesmo tempo que um outro pormenor, aliás. O da personagem em pé na abertura da porta, permanece uma incógnita). Nem sempre foi assim; mas pode dizer-se que, para um artista, o pormenor nunca é insignificante. Recordo, por exemplo, os insectos que esvoaçam no meio das naturezas mortas holandesas do século XVII. E que acrescentam sentido à leitura simbólica da riqueza terrena em decomposição que essas pinturas muitas vezes possuíam; ou o gato aterrorizado numa Anunciação de lourenzo Lotto  que parece saltar para fora do próprio suporte da pintura, sinal simultâneo da perícia do pintor e da humanidade de Maria que se sobressalta com a visita do anjo.
Assim o pormenor é feito para ser visto, ou melhor, descoberto. Trata-se de uma espécie de prémio que é concedido à capacidade de ver, partindo do pressuposto, com se fazia antes da modernidade, que essa capacidade dependia da vontade do espectador. Hoje, é antes o corpo desse mesmo espectador que está em casa nos limites que os órgãos dos sentidos lhe impõem, e também nas próteses de todo o género que se inventam para os superar.
Considere-se assim a pintura de Mónica Capucho. Trata-se de telas em que a materialidade do objecto é acentuada pela utilização restrita e texturada da cor. Em primeiro lugar, um jogo erudito e tecnicamente irrepreensível de velaturas sucessivas permite criar superfícies espessas, como se tratasse de esculturas, ressalvando sempre o facto de que a cor e a técnica usadas classifica indubitavelmente estes objectos dentro da disciplina da pintura. Contudo, essa primeira hesitação que o espectador sentirá perante o que vê – trata-se de escultura pendurada na parede, ou de pintura que, em vez de representar o espaço tridimensional, o capta na sua própria essência? – anula-se perante o facto de todas as obras apresentarem palavras escritas. A hesitação entre pintura e escultura deixa de fazer sentido perante esse outro sentido, mais lato, que as palavras indicam ao espírito do espectador.
Assim, perante a ausência de representação na pintura de Mónica Capucho -  perante a ausência de histórias para contar com base numa qualquer representação figurativa -, ficamo-nos com objectos onde se inscrevem palavras. Acontece que essas palavras nem sempre se dão a ver. A observação depende das condições de luz e sombra, da posição do espectador, da hora do dia. A artista pode escolher pintar as palavras numa tonalidade mais clara ou mais escura que a cor do fundo; ou pelo contrário, representá-las exactamente com o mesmo tom azul ou carmim, de modo a convocar a atenção do espectador para as decifrar. Ou seja, as palavras, na pintura de Mónica Capucho, funcionam sempre como o pormenor de outros tempos que encerrava, desvendando-o, o sentido da obra de arte.
Podemos, como é evidente, imaginar uma obra em que as palavras não tivessem sido feitas para ser lidas. Podemos imaginar uma pintura em que a artista guardasse a chave de leitura, e a partir daí a chave também do significado da obra. Conceptualmente, estas pinturas quase monocromáticas , com sugestões de divisões verticais de campos distintos, lembram a pintura de Frank Stella, e levam-nos a recordar uma das frases do minimalista Carl André a propósito dela, depois de ter afirmado que o mesmo Stella sentira a necessidade de pintar riscas:”There’s nothing else to see”. É que, de facto, o que se dá a ver é a pura materialidade do objecto tridimensional a que chamamos pintura – conjugada com o relevo, tão subtil como um pequeno pormenor, das telas que formam diversas palavras escritas.
O modo como estas palavras surgem contribui para acrescentar sentido a esta leitura da obra da artista. Numa série anterior, Mónica Capucho escolheu inscrever o nome comercial da tinta usada sobre uma superfície pintada dessa mesma cor. A obra remetia-mos assim para dois códigos diferentes: um, essencialmente visual, e o outro, do domínio da linguística (pois o nomear é o acto metafórico que está na própria raiz do nascimento da linguagem). A serialidade associada a este tipo de obras metaforiza o conceito de colecção, como reunião, catalogação, exposição e conservação de um conjunto coerente de objectos. Se este tipo de trabalho encontra paralelismos bastantes na arte contemporânea – de Lothar Baumgarten a Pedro cabrita Reis -, o sentido que a obra de Mónica Capucho tomava então necessitava de um ponto de viragem para não se tornar redundante.
Esse ponto foi alcançado agora – e pode dizer-se que, na série actual, as palavras adquirem um peso proporcional ao do trabalho matérico.
Numa série, que apresenta as medidas de 180x50x4 cm elas associam-se automaticamente, sem nexo lógico aparente, embora a artista nos diga que se trata sempre de composições. Noutra, de obras de 60x60x4 cm, apresentam-se frases curtas, como pensamentos espontâneos. Na terceira, finalmente, são afirmações mais complexas. Esta última série é formada por obras com as medidas de 140x200x4 cm, ou de 200x140x4 cm.
O moda de construção de frases e das palavras faz um apelo forte ao acaso. Por exemplo, Mónica Capucho pode partir de um texto pré – existente e escolher dentro dele uma ou mais palavras que lhe captem a atenção. Estas são depois compostas, como um jogo de cadáver - esquisito, por associação, completamente ou exclusão mútuas.
Por isso, é possível descobrir, numa dessas pinturas, uma frase que nos diz que “this painting is/directly/build with sensibility”... a sensibilidade, ou seja, mesmo aquela que parece mais mecanicamente construída. Neste processo de trabalho que, de tão preciso, lembra o de uma máquina, o corpo, o acaso, a subjectividade e a emoção irrompem sem pedir licença, porque afinal nestes começos do século XXI, já ninguém se ilude com a crença de que é possível dominar esse corpo. No pormenor do que se sente, apenas perceptivél a quem é capaz de o ver, reside todo o sentido da pintura de Mónica Capucho. Mesmo que, como aqui acontece, haja sempre algo, no fim, que permanece por dizer.
Luísa soares de Oliveira
Setembro 2003



Seriedade e jogo

Entre o sentir e o pensar se situa, sempre, a pintura, um sentir que cobre várias gamas emocionais e outras tantas sensoriais, e o pensar organizando a mente, o espaço, a informação que se dispensa. Olhando para a exposição de pintura de Mónica Capucho apercebemo-nos primeiro de um sistema, aparentemente rígido e programático.
Os formatos são três: Dominando o espaço, longas telas de 95x150 cm, divididas cada uma em 10 rectângulos iguais (mais ou menos 42,5x30) cada um da sua cor, nomeada também por letras em relevo. Mais retirada, uma série de pinturas mais pequenas (56x32 cm), dividida cada uma em dois (quase) quadrados com as suas cores respectivos, tendo também letras relevadas que desta vez designam tão somente a sua própria cor e não a do campo onde se instalam. Nas costas de quem entra, duas pinturas colunas, com a altura quase humana (1609) articuladas em sete rectângulos negros todos diferentemente trabalhados e texturados.
Aparentemente estamos perante um jogo de escalas de palavras, nomeações, referencias em circulo fechado, onde se pode verificar (e sentir) a diferença entre o que a pintura diz e o que a pintura é. Há um discurso das palavras, certo, aproximativo, ilustrativo, deslocado, auto-referente.
Há um discurso da pintura, da sua materialidade e textura, da iluminação que por vezes enruga e modifica as superfícies, quando não, na relação coma luz incandescente, vem o pigmento utilizado modificar a nossa percepção da cor, quero dizer, a cor que reconhecemos não é a que lá está.
Mas, afinal, o que lá está?
Se bem olharmos verificamos que, caso a caso, melhor dizendo, fragmento a fragmento, rectângulo a rectângulo, esta é uma pintura - placa e esta placa é, afinal, um obstáculo que deixa antever, como a luz, como fresta, como deliberado engano, uma realidade subjacente. Este universo só aparentemente é que está bem ordenado, só aparentemente é que se erige em sistema.
Sob a ordem espreita algo outro. O caos? Não o podemos saber. Verificamos, sim, que algo mexe e trabalha sob a cor e as palavras que a nomeiam ou não.
Ao sair da exposição o mundo organizado que tínhamos encontrado de início ainda lá está paginando o espaço da galeria, e, pintura a pintura, a sua própria superfície. No entanto sabemos, porque a pintora deliberadamente no-lo fez notar, que tal mundo não é mais que uma aparência e que a pintura ao mostrar esconde sempre. Às certezas seguem-se as dúvidas, à seriedade o jogo.
José Luís Porfírio
04/04/2000



Diagrama da luz


Catalogando a matéria com rigor, nomeando-a destacadamente, Mónica Capucho não perde nunca o sentido lúdico, o prazer do fazer e da surpresa.
Na acumulação matérica da tinta de óleo sobre outras cores diversas previamente estabelecidas, a sedimentação proporciona a criação de uma tensão sensível à superfície, potenciando a diagénese. Escondendo, realçando, subvertendo, Mónica confirma na pintura, mas também noutra escrita, a homenagem que presta à natureza inicial do óleo. Às variáveis resultantes que traçam exemplarmente a infinitude na finitude de um diagrama de luz.
Aceitando a espantosa realidade das coisas, quer dizer, da matéria, Mónica constrói, com o essencial, uma obra substantiva, despojada de efeitos, onde a limpidez da luz faz ressaltar a entropia dos grãos. A textura rectilínea  tão bem conjugada com a geometria das bandas e das etiquetas.
Este rigor sensível traz-nos à ideia o exemplar percurso de Gerardo Rueda, também na sua procura obstinada da cor.
Que não há.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2000
Carlos Neves de Carvalho



A pintura apartada do visível

Há nestas pinturas de Mónica Capucho várias configurações de leitura: em primeiro lugar, num plano que é de todo imediato e próprio do “ser”das “artes visuais”, impõe-se considerar aqui uma leitura visual. Para começar, tal passa pela indexação das soluções visuais: composicionais ou cromáticas. Se avançarmos para outros planos de leitura (que o próprio trabalho impõe e desviantemente obriga), poderemos verificar que cada novo contexto de interpretação vai discretamente desmentindo a preeminência  dessa referida recepção ou leitura visual.
Portanto, pelo menos duas outras possibilidades de leitura se proporão para este território, embora advindas das proposições visuais lidas em si mesmas (telas, bases de gesso, cores, texturas, palavras em relevo). Trata-se de considerar as relações entre os “textos” (os “nomes” das cores que identificam cada espaço rectangular correspondido por um valor cromático) e as imagens como, em primeiro lugar, “jogos de linguagens” (considerando também a natureza volátil da existência  da cor, o que impele ao jogo das nomeações de certo modo herdeiro do já histórico processo “nominalista pictural”); seguidamente, uma outra componente reforça esta reivindicação de arbitrariedade na relação cor/nome – refiro-me à dupla fisicalidade destes quadros, quer fazendo corresponder a cada campo de cor um preciso padrão textural (é claro que é arbitrariedade que aqui reina, na medida em que a pincelada vertical ou horizontal não interpreta nenhuma cor, o que nos monocromos negros é bem patente, pois aí vemos, compartimentada e indiferenciadamente, rigorosas gestualidades, ora na vertical ora na horizontal); quer, sobretudo, fazendo inscrever (através de “formas” próprias) os nomes das cores em “baixo-relevo” nos campos respectivos.
Estes campos de cor manifestam-se numa composição minimalizada, pois a grelha de distribuição dos rectângulos não podia ser mais simples: uma linha horizontal divide o campo da tela em duas partes iguais  e cada um destes dois rectângulos dá origem a vários outros justapostos e idênticos. Como vimos, a cada um corresponde uma cor - valor , uma textura e um “nome” inscrito em relevo, o qual diz aquilo que se vê “warm grei”, “raw umber”, “cold grey” etc.
As várias hipóteses de leitura assim propiciadas explicitam-se deste modo : elementaridade da composição (ou mesmo apagamento composicional); fisicalidade da escrita e das texturações de cada campo de cor, arbitrariedade, quando não mesmo troca intencional e inversão, de nomes e cores (sobre violeta pode escrever-se, por exemplo, “ivory black”). Tudo contribuindo como veremos, para desvalorizar uma leitura uma leitura situada exclusivamente na recepção visual. Essa desvalorização do visível vai-se ampliando na persistência da observação até se equivaler a um nível de leitura mais conceptual, como o que privilegia o “jogo de linguagem” e a critica da própria linguagem  como corpo neutro de “informação” (recorde-se, era nesta crença que se fundava todo o conceptualismo linguístico – desde Kosuth e da tese da arte como “preposição analítica”).
Insistindo numa leitura exclusivamente visual, diremos estar em presença de enunciados tautológicos. Isto, repita-se, se optarmos pela exclusividade imediata da presença reduzida ao que se vê (vício civilizacional, o da verificabilidade).
Como a classificação da cor - valor tende, por escrito, a dizer o mesmo da sua materialização na tela (sempre em superfícies planas, embora texturadas - pelo gosto), estamos perante multiplicados tautológicos, na medida em que esta sinaliza a repetição de uma ideia por meios diferentes.
Distintivamente de uma “proposição”, para Wittgenstein, a tautologia (“titanium white” sobre um rectângulo branco) não diz nada, não mostra a sua forma de significar, não possui “condições” porque é incondicionalmente verdadeira.
(Em lógica, tautologias são formulas válidas que especificamente no plano da lógica sentencial, depois de submetidas a várias operações dão sempre “V” – verdadeiro).
Mas a presença da tautologia nestas telas é aparente, pois embora elas se apresentem sempre em dupla grafia (imagem e palavra, mostrar e nomear, figurar e dizer) a autora recorre a dois processos para a contradizer. Em primeiro lugar, em algumas telas a palavra aponta um valor cromático distinto do seu suporte de inscrição ; mas há outra estratégia mais subtil – pendente da questão do relevo das inscrições.
Os valores cromáticos percepcionados só correspondem ás inscrições em concretas condições lumínicas. Isto é, as cores nada mais são do que o resultado da observação das radiações luminosas pelos materiais – o que resta e não foi absorvido é - nos, como se sabe, “devolvido” em forma de “sensação de cor”. O que varia a este nível não varia no plano da linguagem – “titanium white” está em permanência escrito e relevado na superfície da tela; podemos de qualquer maneira ler a palavra tacteano. Resumindo, há um momento e um determinado conjunto de condições em que a cor e palavra correspondem. Fora disso, sabemos existir uma descoincidência entre o mostrado e o dito.
Contudo há ainda, para usar uma expressão de Michel Foucault (Ceci n’est pas une pipe, 1973), uma conciliação parcial, só que dependentemente de factores externos á própria tela. Kosuth, em Art After Philosophy (1969), escreveu: “A.J. Ayer, ao avaliar  a distinção kantiana entre o analítico e o sintético, diz algo que nos pode ser útil: “Uma proposição é analítica quando a sua validade depende exclusivamente das definições de símbolos que contém, e sintética quando a sua validade está determinada pelos factos da experiência”. A analogia que quero estabelecer refere-se à condição artística e à da proposição analítica.
De certo modo, seguindo este raciocínio ainda que com algum esquematismo, verificamos de imediato que estas pinturas não se situam nem no plano da tautologia 8que aparentavam desde inicio da observação), nem na proposição analítica, como pretendida pelo conceptualismo linguístico. Estas telas dependem de múltiplos factores da experiencia, apontam para o exterior, renunciam à neutralidade da linguagem para lhe conferir um “corpo físico”, apontando entretanto para uma troca de inscrições e cores. Em primeira e última instância, estas nomeações transportam conceitos e cor. E. Wittgenstein interroga-se : não existirão pessoas cujos conceitos de cor se distanciam dos nossos’ assim se pode soltar, pelo menos parcialmente, a ligação entre a inscrição e a cor que a  acompanha, ou seja, o peso intrínseco da linguagem, da mesma linguagem sobre a qual Roland Barthes dizia ser um  instrumento autoritário, não porque interdita, mas antes porque obriga a dizer.
O jogo aqui pode ser outro – passa por admitir a hipótese de dizer algo ao mesmo tempo próximo e muito afastado daquilo que se mostra e sabe que existe.
Carlos Vidal
24/02/2000