Casa d`Avenida. Setúbal, Portugal.
Concrete reality | 2023
Texto de Luísa Santos
Concrete reality, de Mónica Capucho (1971, Lisboa) coloca oconcretismo ao lado da realidade, uma relação impossível na definição de arteconcreta. A arte concreta, na história da arte, é arte abstrata, livre dequalquer interpretação ou representação da realidade e sem qualquer significadosimbólico. E é precisamente a partir do questionamento de relações e deassunções da história da arte que a história desta exposição se desenha. Estetexto adota o percurso de Concrete reality, na Casa d’Avenida, paracontar as suas partes.
I.Concrete / reality (Piso térreo)
As duas palavras que formam o título da exposiçãorecebem-nos logo na primeira sala, em díptico que, por sua vez, é acompanhadopor mais nove dípticos, um tríptico e ainda uma pintura única. Os dípticos e ostrípticos são formas muito usadas ao longo da História da Arte que, tendocomeçado com a pintura medieval, continuaram no Renascimento, tendo ficadoparticularmente conhecidas na arte religiosa, em cenas Bíblicas, retratosseculares, e em representações da Santa Trindade. Regra geral, cada parte dodíptico ou do tríptico estava presa à outra. Já na arte moderna econtemporânea, os dípticos e os trípticos libertaram-se das conotaçõesreligiosas e, formalmente, um do outro, estando, muitas vezes soltos entre si ecom dimensões diversas.
Se pensarmos na raiz etimológica da palavra, um díptico (em grego: δίπτυχο di = "dois" + ptychē = "dobra") é qualquerobjeto que tenha duas placas planas ligadas entre si. Talvez seja esta a definição mais próxima dosdípticos e dos trípticos do piso térreo da Concrete Reality. Organizadaem objetos compostos por duas placas planas ligadas entre si, a salaapresenta-nos um conjunto de diálogos que operam como convites. Numa primeirainstância, impelem-nos a traduzi-las para além das palavras que os compõem:como é que parecerá esta monochromatic / choice? Num segundo momento,convidam-nos a questionar o significado de cada uma das palavras porque, emconjunto, confrontam-se: subject / matter; artificial / connection. Já numterceiro momento, ou para alguém para quem a história da arte seja matériafamiliar, será inevitável pensar em cada uma destas palavras como conceitoschave da história da arte ocidental. Contudo, perante a junção de cada umadestas palavras em dípticos e trípticos, parecemos ser levados a perguntar: quesentidos têm / podem ter estes conceitos que têm sido apresentados e validadosao longo daquilo que entendemos como história da arte?
II. Isto não é uma legenda (Sala 1, Primeiro Piso)
Os museus de arte, tal como os livros de históriada arte, regra geral, fazem acompanhar cada trabalho artístico ou imagem domesmo com uma legenda descritiva contendo título, dimensões, meio e, quandoaplicável, a proveniência ou coleção na qual se insere. As legendas têm assim,um carácter informativo e secundário.
Em Concrete Reality, o trabalho artístico ea legenda são a mesma e, como tal, ambas são protagonistas. Tal como a pintura LaTrahison des Images (1929), de René Magritte, mais conhecida como Cecin’est pas une pipe, há uma subversão dos modos tradicionais de representarlinguisticamente uma imagem. No caso da pintura de René Magritte, a imagem deum cachimbo é acompanhada por uma frase que diz que aquilo que vemos (ceci –isto, que é uma imagem de um cachimbo) não é aquilo que julgamos ver (n’est pasune pipe – não é um cachimbo). Nas pinturas de Mónica Capucho, o exercício decontradição avança mais um passo: o que aparece descrito em palavras não temuma tradução em imagem. OIL ON LINEN não se faz acompanhar de uma pintura aóleo sobre linho, do mesmo modo que SEASCAPE não é acompanhada por qualquerpaisagem marinha ou a PERSPECTIVE se apresenta com algum tipo de pintura ou deescultura com perspetivas. Aquilo que podemos ver são as palavras pintadassobre madeira. Ou seja, estamos perante pinturas, mas não as pinturas queesperamos ver perante aquilo que lemos. Enquanto na obra de Magritte, aspalavras não são tanto uma descrição retórica, mas mais uma subversão darepresentação para dizer que as palavras e a linguagem podem ser arbitrárias,convencionais e circunstanciais (Foucault, 1983:5), no caso de Mónica Capucho,a contradição existe não só nesse nível, mas também para perverter a culturaocidental que é, essencialmente, assente em imagens. Por outras palavras, emúltima instância, deixa o trabalho da imaginação – enquanto criação de imagens– para os públicos. Ou, para os mais atentos, convida-os a fazer os pares comobjetos que existem no espaço, como um piano preto acompanhado por BLACK ONBLACK.
III.Site-specific (Salas 2, 3, 4 e 5, Primeiro Piso)
Muito do trabalho de Mónica Capucho existeconfortavelmente em qualquer espaço, de um cubo branco a uma casa do SéculoXVIII. Ou seja, não é, necessariamente, pensada exclusivamente para um espaçoespecífico. O glossário da Tate informa que o termo site specific
“refere-se a um trabalho artístico desenhado especificamentepara uma localização em particular e que tem uma relação com esse lugar.Enquanto trabalho site-specific, é desenhado para um local específico e, se forremovido do mesmo, perde toda ou parte substancial do seu significado. O termosite-specific é, regra geral, usado para instalação (instalação site-specific);e para land art que é, quase por definição, site-specific”.[1]
Contudo, a capacidade de mutabilidade dos trabalhosde Mónica Capucho com os espaços existe pela relação de mutualidade que adotacom os mesmos, independentemente das características de cada espaço. Ou seja,se à primeira vista não parece ter sido pensada exclusivamente para um espaçoespecífico, uma leitura mais atenta descobrirá que as suas pinturas estão emconstante diálogo entre si e, mesmo quando não são pensadas a priori para as especificidadesde cada espaço, são sempre instaladas em diálogo ativo com os espaços quehabitam.
DIVIDING LINE, na parede esquerda da segunda salado primeiro piso, é composta por uma pintura sobre tela sem grade e uma ripa demadeira, na qual se lê “dividing line”, na horizontal. Os dois elementos estão separados por um pequeno espaço, separação que ésugerida para a relação interior e exterior da Casa d’Avenida, nesta sala queestá virada para a Avenida que dá o nome à casa. Já a colocação da pintura SELF-SUFFICIENTnuma ripa de cimento de cerca de cinco por oitenta centímetros na pequenaparede na passagem, entre duas portas, da terceira para a quarta sala doprimeiro piso, questiona a sua autossuficiência: será que teria o mesmosignificado e força noutro espaço da mesma casa? A quarta sala, coberta porazulejos azuis do tempo da construção da casa, foi ocupada por várias barras demadeira pintada, cimento e pedra com a palavra BLUE. A referência à cor dosazulejos é óbvia, mas subverte a ideia de legenda ou de descrição na medida emque a única referência escrita não acrescenta nada aquilo que podemos ver nosazulejos. A quinta sala do primeiro piso oferece, possivelmente, o diálogo maisclaro em duas instâncias – com a própria obra (na verdade, um monólogo) e com oespaço. Na parede do lado direito podemos ler SELF-CONTAINED numa molduraquadrada em cimento, de dimensões contidas, que aparece junto a uma janelaquadrada.
IV.Epílogo (Sala 6, Primeiro Piso)
A última sala da exposição poderia ser lida comouma conclusão na qual são oferecidas palavras-chave simultaneamente da históriada arte e das relações humanas. A sala surge habitada por várias barras epequenas peças de materiais como o cimento, madeira e pedra com palavraspintadas a preto, branco, cinzento e azul.
No chão, palavras como VISUAL / MATTER / VIEW /REALISTIC / COLLECTIVE / SOLUTION / MEMORIES / UNIQUE / TEMPORARY / WORD /MIXTURE poderiam ser facilmente usadas em descrições de obras de arte da mesmamaneira que poderiam ser aplicadas em textos do domínio das ciências sociais ehumanas. Na verdade, são palavras que aplicamos no dia-a-dia com regularidadepara descrever sensações e situações. O que esta fluidez entre camposdisciplinares e contextos sugere é que, afinal, a arte, como as imagens e aspalavras, não existem separadamente das relações humanas. Pelo contrário,nascem delas e especulam sobre outras maneiras de serem vividas eexperienciadas.
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[1] Tradução do inglês para o português pela autora. https://www.tate.org.uk/art/art-terms/s/site-specific acedido a 11 de Setembro 2023.
Concrete reality
Text by Luísa Santos
Concrete reality, by Mónica Capucho (1971, Lisbon)places concretism alongside reality, an impossible relationship in thedefinition of concrete art. In the history of art, concrete art is abstractart, free from any interpretation or representation of reality and without anysymbolic meaning. And it is precisely from the questioning of relationships andassumptions in the history of art that the story of this exhibition is drawn.This text takes the route of Concrete reality, at Casa d'Avenida, to tell itsparts.
I. Concrete / reality (Ground floor)
The two words that form the exhibition's title greetus in the very first room, in a diptych that, in turn, is accompanied by nineother diptychs, a triptych and a single painting. Diptychs and triptychs areforms that have been widely used throughout the history of art. They began inmedieval painting and continued into the Renaissance, becoming particularlywell known in religious art, in Biblical scenes, secular portraits andrepresentations of the Holy Trinity. As a general rule, each part of thediptych or triptych was attached to the other. In modern and contemporary art,however, diptychs and triptychs have been freed from their religiousconnotations and, formally, from each other, often being detached from eachother and having different dimensions.
If we think about the etymological root of the word, adiptych (in Greek: δίπτυχο di = "two" + ptychē = "fold") isany object that has two flat plates connected together. This is perhaps the closestdefinition to the diptychs and triptychs on the ground floor of ConcreteReality. Organised into objects made up of two flat plates connected together,the room presents us with a series of dialogues that act as invitations.Firstly, they encourage us to translate them beyond the words that make themup: how does this monochromatic / choice look? Secondly, they invite us toquestion the meaning of each of the words because, together, they confront eachother: subject / matter; artificial / connection. In a third moment, or forsomeone for whom art history is a familiar subject, it will be inevitable tothink of each of these words as key concepts in the history of Western art.However, faced with the combination of each of these words in diptychs and triptychs,we seem to be led to ask: what meanings have / can have these concepts thathave been presented and validated throughout what we understand as art history?
II. This is not a legend (Room 1, First Floor)
Art museums, like art history books, generallyaccompany each artwork or image of it with a descriptive caption containing thetitle, dimensions, medium and, where applicable, the provenance or collectionin which it is included. The captions have therefore an informative and asecondary character.
In Concrete Reality, the artwork and the caption areone and the same and, as such, both are protagonists. Like René Magritte'spainting La Trahison des Images (1929), better known as Ceci n'est pas une pipe, there is a subversion of the traditionalways of linguistically representing an image. In the case of René Magritte'spainting, the image of a pipe is accompanied by a sentence saying that what wesee (ceci - this, which is an image of a pipe) is not what we think we see(n'est pas une pipe - it's not a pipe). In Mónica Capucho's paintings, theexercise in contradiction goes one step further: what is described in words isnot translated into an image. OIL ON LINEN is not accompanied by an oilpainting on linen, in the same way that SEASCAPE is not accompanied by anyseascape or PERSPECTIVE is presented with some kind of painting or sculpturewith perspectives. What we can see are words painted on wood. In other words,we are looking at paintings, but not the paintings we expect to see from whatwe read. While in Magritte's work, the words are not so much a rhetoricaldescription as a subversion of representation to say that words and languagecan be arbitrary, conventional and circumstantial (Foucault, 1983:5), in MónicaCapucho's case, the contradiction exists not only on that level, but also topervert Western culture, which is essentially based on images. In other words,she ultimately leaves the work of imagination - as the creation of images - tothe public. Or, for the more attentive, she invites them to pair up withobjects that exist in the space, such as a black piano accompanied by BLACK ONBLACK.
III. Site-specific (Rooms 2, 3, 4 and 5, First Floor)
Much of Mónica Capucho's work exists comfortably inany space, from a white cube to an 18th century house. In other words, it's notnecessarily designed exclusively for a specific space. The Tate glossary statesthat the term site specific
"refers to an artwork designed specifically for aparticular location and which has a relationship with that place. As asite-specific work, it is designed for a specific location and, if removed fromit, loses all or a substantial part of its meaning. The term site-specific isgenerally used for installation (site-specific installation); and for land art whichis, almost by definition, site-specific."[2]
However, the ability of Mónica Capucho's works tochange with the spaces exists because of the mutual relationship she adoptswith them, regardless of the characteristics of each space. In other words, ifat first glance it doesn't seem to have been designed exclusively for aspecific space, a closer look will reveal that her paintings are in constantdialogue with each other and, even when they are not designed a priori for thespecifics of each space, they are always installed in active dialogue with thespaces they inhabit.
DIVIDING LINE, on the left wall of the second room onthe first floor, consists of a painting on canvas without a grid and a woodenslat, which reads "dividing line" horizontally. The two elements areseparated by a small space, a separation that suggests the relationship betweenthe interior and exterior of Casa d'Avenida, in this room that faces the avenuethat gives the house its name. The placement of the SELF-SUFFICIENT painting ona concrete slat measuring around five by eighty centimetres on the small wallin the passage between two doors from the third to the fourth room on the firstfloor questions its self-sufficiency: would it have the same meaning andstrength in another space of the same house? The fourth room, covered in bluetiles from when the house was built, was occupied by several bars of paintedwood, cement and stone with the word BLUE on them. The reference to the colourof the tiles is obvious, but it subverts the idea of a legend or description inthat the only written reference adds nothing to what we can see on the tiles.The fifth room on the first floor offers possibly the clearest dialogue in twoinstances - with the work itself (actually a monologue) and with the space. Onthe right-hand wall we can read SELF-CONTAINED in a square cement frame, of containeddimensions, which appears next to a square window.
IV. Epilogue (Room 6, First Floor)
The last room of the exhibition could be read as aconclusion in which keywords are offered from both art history and humanrelations. The room appears inhabited by various bars and small pieces ofmaterials such as cement, wood and stone with words painted in black, white,grey and blue.
On the floor, words such as VISUAL / MATTER / VIEW /REALISTIC / COLLECTIVE / SOLUTION / MEMORIES / UNIQUE / TEMPORARY / WORD /MIXTURE could easily be used in descriptions of works of art in the same waythat they could be applied to texts in the social sciences and humanities. Infact, they are words that we use regularly in everyday life to describesensations and situations. What this fluidity between disciplinary fields andcontexts suggests is that art, like images and words, does not exist separatelyfrom human relationships. On the contrary, they are born from them andspeculate on other ways of living and experiencing them.
[1] Tradução do inglês para o português pela autora. https://www.tate.org.uk/art/art-terms/s/site-specific acedido a 11 de Setembro 2023.
[2] Translationfrom English to Portuguese by the author. https://www.tate.org.uk/art/art-terms/s/site-specific accessed onSeptember 11,å 2023.
Fábrica Catalã.Azaruja, Portugal.
Regenerating | 2022
Raquel Gaspar Silva
Dizer que a obra de Mónica Capucho é composta de fragmentos,seria dizer que a obra foi inteira e não é mais. Não devemos confundir dimensãocom integridade. Na verdade, a artista descola conceitos da realidade e cola-osem algo novo, criando significados e proporção. A artista é o agente queatribui habilidades regenerativas aos fragmentos, capacitando-os para a criaçãode um corpo.
Em Regenerating, Mónica Capucho cria um corpo, composto porfragmentos de memória e presente, a partir da história do espaço da FábricaCatalã. O espaço físico é explorado como o lugar conciliador de comunidade enatureza, que no Montado são esferas que se beneficiam mutuamente.
Há três planos em Regenerating – criação artística, memória ecomunidade – que existem unidos intimamente no espaço-tempo da exposição. Aartista cria no seio da continuidade da natureza, anulando a distância entrepassado e futuro, e fazendo um corpo presente, aberto em crescente ampliação,onde múltiplas durações coexistem.
Regenerating
Raquel Gaspar Silva
To say that Mónica Capucho’s work is composed offragments would be to say that the work was whole and is no more. We must notconfuse dimension with integrity. In fact, the artist unglues concepts fromreality and glues them onto something new, creating meanings and proportion. Theartist is the agent that confers regenerative skills upon the fragments,qualifying them for the creation of a body.
In Regenerating, Mónica Capucho creates a body,composed of fragments of memory and present, from the history of the space ofFábrica Catalã. The physical area is explored as the harmonizing place ofcommunity and nature, which in Montado become mutually-benefittingspheres.
There are three planes in Regenerating – artisticcreation, memory and community – which exist closely linked in the space-timeof the exhibition. The artist creates within the continuity of nature,cancelling out the distance between past and future, and making a present body,open in increasing expansion, where multiple durations coexist.
Uneven Order | 2020
CARLOSCARVALHO ARTE CONTEMPORÂNEA. Lisboa, Portugal.
Patrícia Barreira
Durante o Verão de 1947, Yves Klein olhou para o céu e, contemplando a infinitude, usou-o como exemplo parapensar sobre as amplas possibilidades criativas da cor azul, declarando: “Oazul do céu é a minha primeira obra de arte”[1]. Mais tarde esclareceria: “o azul não tem dimensões; está para alémdestas, enquanto que nas outras cores não é assim. Todas as cores despertamideias associativas específicas enquanto que o azul sugere no máximo o mar e océu, e estes, afinal, são, dentro da natureza real e visível, o que é de mais abstrato”[2]. Em 1947, Klein começou a produzir peças pintadas de uma só cor, chegando às quase duzentaspeças, tendo registado a autoria do pigmento que se popularizou mais tarde comoo IKB International Klein Blue. Acreditando que a cor era energia pura, adoptouo monocromatismo porque entendia-o como um caminho para a total rejeição darepresentação na obra e, por isso, um modo de atingir um nível máximo deliberdade criativa. Portanto, aplicou o azul em esponjas coladas em tela, emperformances no corpo de modelos ou em esculturas, destacando-se as conhecidasrepresentações do globo terrestre ou da Vitória de Samotrácia.
Esta terceira exposição individual de Mónica Capucho na galeria CarlosCarvalho é composta por três núcleos distintos, agrupados por organizaçõesformais similares entre si: de um lado as pinturas de vários formatos de outroas peças de parede e as peças de chão. Mais uma vez, a palavra cria um efeitode equilíbrio desafiando o papel que a mancha e a textura de cor adquirem naobra. A artista inscreve indicações, ora tautológicas, como por exemplo em “Interconnectionof blue sequences”, ora confrontando o observador com uma suposta objectividademostrando as frases: “Peculiar, Unfaked and Honest Blue” ou “Pure, Elegant and Sincere Blue” e quase dando aoazul uma dimensão afectiva, descrevendo o objecto criado e jogando com ossignificados e desenhos das palavras.
Aparentemente objetivos e não referenciais, os trabalhos exibem um amplomostruário de texturas, brilhos, pinceladas e matizes subtis que encerram em sipróprios uma linguagem visível apenas quando detectada numa análise maisprofunda. Mónica Capucho motiva-nos a observar mais além da aparência colocandojogos de ocultação do material, usando por exemplo superfícies com resultadovisual semelhante, misturando inclusive pigmentos para o efeito, mas que sediferenciam na essência e na percepção ao toque. O espaço de decisão da artistaestá nas composições de materiais, nas texturas, e na sua articulação com osignificado ou com o desenho da palavra. A materialidade é interpretada ecompreendida em todas as suas dimensões: a artista mistura betão, madeira,pedra ou silicone, controlando os seus efeitos e a forma como se apresentam aoobservador pensando na temperatura, no brilho ou na textura, na atração oufrieza, na dureza ou na maciez da matéria.
Para Yves Klein, a adopção da cor única traz à obra um sentido dedissolução das diferenças dos materiais com vista à abstração total. Notrabalho de Mónica Capucho, pelo contrário, a opção pela prevalência da corúnica segue um caminho inverso convidando o observador a focar-se quaseexclusivamente sobre as qualidades materiais do objecto. O cinzento e brancosão cores auxiliares que agem para dar expressão ao azul porque tudo funcionaem direcção à cor única. A escolha pelo quase monocromatismo permite aoobservador ver o desenho formado pela composição dos materiais, texturas, consciencializando-opara o modo como estes afectam a nossa percepção da cor. As obras apresentamuma multiplicidade de variáveis em torno do azul seja este mate ou luminoso,com diferentes tons e intensidades analisando a sua força de amplificação parao espaço da galeria. A artista faz-nos, por isso, mergulhar no azul múltiplo,infinito e complexo e que se transforma com os diferentes materiais.
Mónica Capucho pensa também na obra enquanto objecto que funciona como parteestruturante de um todo, não descurando o seu valor singular. Apintura-instalação torna-se fisicamente activa: a artista explora propriedadesda obra no espaço analisando peso, estabilidade e densidade. Os trabalhos, deconfiguração puramente geométrica, expandem-se na visualidade da galeria, ora isolando-se em algumas instalações, orafazendo parte de um todo global. Sendo uma exposiçãosite specific, é no espaço que as obras se apresentam, pelas relações criadas entrecada uma e numa instalação que se coloca em diálogo comas linhas arquitectónicas das duas salas. A exigência no observador dapropriedade física do objecto, designadamente aescala e a presença, fá-lo assumir um papel crucial, a par da importância daobra e do espaço. A opção pelo quase monocromatismo também confere à exposiçãoessa densidade imersiva. O uso da cor predominante desmaterializa a obra,criando maior permeabilidade na sua relação com espaço de exposição. O foco,por isso, está na totalidade - a cor autonomiza-se, sai da pintura e liberta-seno vazio.
Da mesma forma que Yves Klein inventou o pigmento IKB, tornando-se umquímico em laboratório, a artista dirige o seu trabalho para a análise quaselaboratorial da percepção da cor, dos materiais e das formas em articulação como observador e com o espaço, convertendo esta exposição numa obra total comdimensão corpórea e sensitiva.
[1] Alastair Sooke - “Yves Klein: Theman who invented a colour" (28/08/14) http://www.bbc.com/culture/story/20140828-the-man-who-invented-a-colour
[2] “StudioInternational”,Vol. 186 (1973), p. 43.
Uneven order | 2020
CARLOS CARVALHO ARTE CONTEMPORÂNEA. Lisboa, Portugal.
Patrícia Barreira
During the summer of 1947 Yves Klein looked at the skyand gazing at the infinitude used it as an example of thinking about thelimitless creative possibilities of the colour blue, declaring: “the blue ofthe sky is my first work of art “[1].Later he would explain “Blue has no dimensions; it goes beyond them, while thesame doesn’t happen with the other colours. All colours stir up specificassociative ideas, whereas blue suggests mostly the sea and the sky and theseare, after all, in nature that is real and visible, completely abstract”[2].In 1947 Klein started presenting works painted in one colour only, reachingalmost two hundred pieces, having registered the authorship of the pigment,which later become popular as IKB, the International Klein Blue.
Believing that colour was pure energy, he adoptedmonochromatism, for he understood it as a way of totally rejecting representationin his work: he saw it as a means to get to creative freedom. Therefore heapplied blue in sponges glued on canvas, in performances on the body of modelsor on sculptures, from which stand out the well known representations of theglobe or of the “Victory of Samothrace”.
This third solo exhibition of Mónica Capucho in thegallery Carlos Carvalho is composed of three distinctive nuclei, groupedaccording to formal similar organizations; on one hand the paintings ofdifferent sizes; on the other the wall and the floor pieces. Once more the workcreates a balance, challenging the role that both the colouring and the textureacquire in the work. The artist writes indications either tautological, as, forinstance, in “Interconnection of blue sequences” or confronting the viewer withthe supposed objectivity in sentences such as “Peculiar, unfaked and honestblue” or “Pure, elegant and sincere blue”. She is giving blue an almostaffectionate dimension, describing the work and playing with the meanings anddrawings of the words.
Apparently objective and non- referential, the worksdisplay a large show-case of textures, sparkles, brushstrokes and subtle hues,containing in themselves a language only understood in a deeper analysis.
Mónica Capucho motivates us to observe beyond theoutlook, playing hyding games, using for instance, surfaces with a similarvisual result, mixing pigments for the effect, but which are different both inessence and perception to touch.
The artist’ s decision capacity dwells in thecomposition of materials, in the textures, in their articulation with themeaning or the drawing of the word.
Materiality isinterpreted and understood in all its dimensions: the artist mixes concrete,wood, stone or silicone controlling their effects and the way in which theypresent themselves to the viewer, thinking about the temperature, the sparkleor the texture, about the attraction or coldness, the harshness or softness ofthe matter.
For Yves Klein theadoption of one only colour brings to the work a feeling of dissolution of thedifferences in various materials, leading to complete abstraction.
In Mónica Capucho’swork, on the other hand, the option of the predominance of just one colour follows a different path, inviting the viewer tofocus almost exclusively on the material qualities of the work. Gray and white workas auxiliary colours acting to give expression to blue, so that everythingworks towards one colour. The choice for the near monochromatism allows the viewerto see the drawing formed by the composition of the materials and the textures,making him conscious of the way in which these influence his perception of thecolour.
The works show amultiplicity of variables around blue, dull or shiny, with different shapes andintensities, analysing the strength of amplification in the space of thegallery. The artist makes us, therefore, plunge in the multiple, infinite andcomplex blue, altering according to different materials.
Mónica Capucho also thinks about the workas an object that functions as a structural part of a whole, not dismissing itssingular value. The painting-installation becomes physically active: the artistexplores properties of the work in space, analysing weigth, stability and density.The works in pure geometrical shapes, expand themselves through the gallery,either isolated, as is the case of some installations, or being part of awhole.
Being a “sitespecific” exhibition, it is in the space where the woks are displayed and throughthe relations created among them and each installation, that a dialogue isestablished with the architectural lines of the two rooms.
The demand on theobserver of the physical property of the object, namely the scale and thepresence, makes him play a crucial part, along with the importance of the workand the space. The option for the almost monochromatism also gives the displaythat immersive density. The use of a predominant colour dematerializes thework, creating more permeability in its relation with the display space.
Focus is, therefore,on the whole – colour becomes autonomous, gets out from the painting, freesitself in the emptiness.
In the same way asYves Klein invented the pigment IKB, becoming a chemist in a laboratory, theartist directs her work towards the analysis almost laboratorial of theperception of colour, of the materials and the forms in articulation with the viewerand the space, covering this display in a whole work with a corporeal andsensitive dimension.
[1] ) AlastairSooke - “Yves Klein: The man who invented a colour" (28/08/14 http://www.bbc.com/culture/story/20140828-the-man-who-invented-a-colour
[2] ) “Studio International”, Vol. 186 (1973), p. 43.
Solid Matter | 2018
Galeria Vieira da Silva e Espaço Multiusos. Loures, Portugal.
Sérgio Fazenda Rodrigues
Solid Matter é uma exposição que Mónica Capucho apresenta na SalaMultiusos e na Galeria Municipal Vieira da Silva, no Parque Adão Barata, emLoures. Mónica Capucho intervém em dois espaços contíguos, de carácteroposto mas complementar. Dois locais que se separam pela presença de umpátio exterior, mas que se ligam pela natureza do trabalho exposto.
A primeira sala (Sala Multiusos) afirma-se como um espaço ainda inacabado,onde a expressão dos materiais e a sua lógica construtiva é fortementevincada. Enquanto espaço aberto, esta sala caracteriza-se pela sua extensãoe marca-se pela presença do tijolo e da estrutura metálica, que surge deforma assumida. A segunda sala (sala de exposições da Galeria MunicipalVieira da Silva) aproxima-se ao ambiente anónimo de um vulgar White Cube,mas detém uma compartimentação menos evidente e algumas janelas sobrea dominante paisagem suburbana.
A exposição trabalha entre estes dois tipos de ambientes, contraditórios emarcantes do decurso da história da arte. Entre o estaleiro e a galeria, entreo espaço único e a compartimentação, entre a crueza do espaço frontal e aencenação do espaço branco.
I
Mónica Capucho aborda a palavra escrita e gere uma ideia que se forma emtorno de uma lógica construtiva e, simultaneamente, constitutiva. Nas suasobras existem dois pontos que se distinguem, complementam e ganhamexpressão – a presença da palavra e a marcação de uma norma.
Na primeira sala, todo o espaço é ocupado por uma instalação composta porduas fileiras de objectos que se encadeiam para formar uma perspectiva. Aperspectiva marca um ponto que existe para lá das paredes e define umcaminho que nos convida a rodear o trabalho, levando-nos ao fundo da sala.As palavras surgem pintadas sobre materiais de construção civil e a norma éditada pela composição ordenada que estes elementos definem. Esteselementos dão corpo a uma base que, ao mesmo tempo, se torna princípioordenador e elemento discursivo. Como nas páginas de um caderno pautado,as vigotas de betão ordenam duas linhas, com fiadas paralelas, onde sepousam placas de betão, madeira, cerâmica e vidro. Sobre estas placas, quedetêm sempre o mesmo tamanho e são a planimetria de um tijolo, existempalavras que reflectem ou contradizem a natureza do sistema criado.
As obras trabalham com a força da gravidade, constroem-se porsobreposição, e dispõem-se no pavimento. Nessa articulação, as palavrasligam-se, os materiais cruzam-se, as frases emergem, os objectos ganhamforma e os sentidos encadeiam-se. A palavra que surge em cada elemento élida como afirmação e o vazio que fica entre cada parte, é lido como silêncio.Funcionando como pequenos Haikus, cada obra é feita do diálogo que segera entre a matéria, a palavra, o espaço e o silêncio. Aqui, todas as obras
são iguais no princípio ou na norma que os delineia, e diferentes naquilo quecomunicam. Assim, a relação entre duas ou mais placas e a sua proximidadeaos limites da base, acompanham a natureza do material e o sentido daspalavras que sobre elas se inscrevem. Mónica Capucho cria um sistema deordenação que cruza a natureza do que está fisicamente presente, ou do quese manifesta como matéria, com o carácter do que imaterialmente se invoca,ou do que se manifesta como palavra. A articulação entre estes elementosproduz uma interlocução que funciona isoladamente para cada obra, mas quetambém relaciona as diferentes obras, o todo da instalação e o espaçoenvolvente.
Dir-se-ia que a artista ensaia uma lógica gramatical para algo que é intuído,procurando, no fundo, uma expansão do seu sentido. Cruzando algo físico,tangível e mensurável, com algo imaterial, invocatório e especulativo. Ou,como a própria refere, gerindo a obra com “um instinto racional”.
II
A sala de exposições recebe um conjunto de obras que ocupam as paredes eacompanham a compartimentação do espaço existente. Na sua maioriatratam-se de pinturas sobre tela que definem vários grupos de acordo comuma dimensão tipo. No total existem três grupos, com escalas e formatosdiferentes, acrescidos de um outro, autónomo, no final da sala.
Nesta sala dá-se sentido a um diálogo entre a palavra e a geometria ou,predominantemente, entre a pintura e o seu suporte. Esse diálogo, queassenta numa concordância entre a ordem e a variação, ou entre o encaixemodular e a mudança de composição é, aqui, contrariamente à sala anterior,de ordem pictórica. Assim, se no outro espaço essa relação detém um vigorobjectual, resultando num conjunto de esculturas que dão corpo a umainstalação, aqui essa relação tem uma leitura tendencialmente gráfica, queunifica a intervenção sem a moldar à existência de uma obra única.
Nestas obras, por uma outra via, a palavra nomeia, a proporção enquadra, eo suporte dá corpo. Este jogo de relações vive, aqui, de uma subtilezadiferente, levando a que o registo escrito se funda com a base. E, destemodo, quando a cor da palavra é a cor do suporte, a mesma torna-sesussurrada, promovendo a curiosidade, a proximidade e a cumplicidade doobservador.
A composição da imagem é explorada de múltiplas maneiras. Utilizando umamétrica, um encadeamento linear, assumindo a supressão da pintura e a corda tela crua da base, ou a mudança de uma paleta pré-determinada que variaentre o preto, o branco e um conjunto de cinzentos intermédios. Em todos oscasos, assistimos à criação de um alfabeto gráfico que, ora nos dá a ver araiz da obra, ora no encanta com a sua expressão.
Nesta sala, destaca-se ainda um terceiro grupo que faz a ligação entre estasduas abordagens complementares. Este grupo, que se aproxima do trabalhoque a artista desenvolve na Sala Multiusos, emprega, também, materiais de
construção e relaciona-se com as palavras numa lógica corpórea, que éagora transposta para um registo bidimensional, de parede. Os materiaissurgem apoiados num elemento horizontal e marcam uma sequência lateral,definindo um sentido de leitura que reforça e contradiz cada palavra acolhidae/ou cada frase construída. Estes elementos assumem, também, asproporções e as cores dos módulos empregues nas pinturas e conectam-se,dessa forma, com as restantes obras.
III
Dir-se-ia que, na Sala Multiusos descobrimos as obras com base numaanálise racional para, depois, encontrar a sua dimensão poética. Por isso ostextos são afirmados, os materiais são directos, a composição é clara e cadaelemento reconhece-se por aquilo que na verdade é. Na sala de exposições,a ordem é inversa. Neste caso partimos seduzidos pelo envolvimento dacomposição para, só depois, lentamente, perceber a sua lógica defuncionamento. Por isso as palavras desaparecem na cor da base, a matériaé caracterizada pela tinta e a composição tem uma ordem que não éimediata.
Em ambos os casos, Mónica Capucho procede à elaboração de um sistema,de uma norma ou gramática visual, que é depois alterada (contradita ereforçada) pela inserção da palavra escrita. Algo que, numa abordagemsensível e inteligente, gere a parcimónia e a assertividade, encontrandosentido na singularidade que as obras emanam. Entre a regra e a excepção,entre o conjunto e o individual, entre o raciocínio e a sensibilidade.
Solid Matter | 2018
Galeria Vieira da Silva e Espaço Multiusos. Loures, Portugal.
Sérgio Fazenda Rodrigues
Solid Matter is an exhibition staged by Mónica Capucho in the MultipurposeRoom [Sala Multiusos] and at the Vieira da Silva Municipal Gallery, in ParqueAdão Barata, Loures. Mónica Capucho intervenes in two adjoining spaces,opposite but complementary in nature. Two sites separated by the presenceof an outside courtyard albeit connected by the character of the work onshow.
The first room (the Multipurpose Room) is set up as a yet unfinished space,where the expression of the materials and their constructive approach isstrongly inscribed. As an open space, this room is characterized by its lengthand stands out due to the presence of brick and a metallic structure whichemerges very plainly. The second room (the exhibition room at the Vieira daSilva Municipal Gallery) draws closer to the anonymous atmosphere of acommon White Cube, while still displaying a less evidentcompartmentalization and some windows overlooking the suburbanlandscape.
The exhibition takes shape between these two kinds of atmospheres, bothcontradictory and pivotal in the path of art history. Between the studio and thegallery, between single space and compartmentalization, between therawness of the frontal space and the staging of the white space.
I
Mónica Capucho addresses the written word and generates an idea which isformed around a constructive and, at the same time, constitutive logic. In herpieces there are two elements that stand out, complement each other andbecome notable – the presence of the word and the establishment of a norm.In the first room, the whole space is taken up by an installation made up of tworows of objects that link up to form a perspective. The perspective sets a pointwhich exists beyond the walls and defines a path that invites us to circumventthe work, taking us to the end of the room.
The words emerge painted on construction materials and the norm isprescribed by the ordered composition defined by these elements. Theyembody a base which becomes, simultaneously, ordering principle anddiscourse element. As on the pages of a ruled notebook, the concrete beamscompose two lines, with parallel rows, where concrete, wood, ceramic andglass slabs come to rest. On these slabs, which are all the same size andconstitute the planimetry of a brick, there are words that reflect or contradictthe nature of the system created.
The artworks team up with the force of gravity, are constructed by overlap,
and are laid out on the pavement. In this articulation, the words connect, thematerials intersect, the statements emerge, the objects are shaped, and thesenses link up. The word that emerges in each element is read as a statementand the void which remains between each part is read as silence. Acting assmall Haikus, each work is produced by the exchange it generates betweenmatter, word, space and silence. Here, all the artworks are alike in theprinciple or in the norm which shapes them, and different in what theycommunicate. Thus, the relation between two or more slabs and theirproximity to the limits of the base match the nature of the material and themeaning of the words inscribed on then. Mónica Capucho creates an orderingsystem which intersects the nature of what is physically present, or whatmanifests itself as matter, with the nature of what is immaterially evoked, orwhat manifests itself as word. The articulation between these elementsproduces a dialogue which functions in isolation for each artwork, but whichalso connects the different pieces, the whole installation and the surroundingspace.
One might say that the artist is testing a grammatical logic for somethingwhich is intuitively perceived, deep down seeking an expansion of itsmeaning. By intersecting something physical, tangible and measurable withsomething immaterial, recollective and speculative. Or, as the artist herselfputs it, by managing the work with “a rational instinct”.
II
The exhibition room houses a set of artworks which fill the walls and follow thecompartmentalization of the existing space. For the most part, they arepaintings on canvas defining various groups according to a standard size.Overall, there are three groups, featuring different scales and formats, plusanother one, autonomous, at the end of the room.
In this room, meaning is given to a dialogue between the word and geometryor, predominantly, between the painting and its stand. This dialogue, which isbased on an agreement between order and variation, or between the modularfitting and the change in composition, is here, contrarily to what happens inthe previous room, pictorial in nature. Thus, whereas in the previous spacethis relation displays an object-based vigour, resulting in a range of sculptureswhich constitute an installation, here that relation has a reading that tends tobe graphic, unifying the intervention without shaping it to the existence of asingle artwork.
In these pieces, by another path, the word names, the proportion frames, andthe stand embodies. This game of relations lives here off a different subtlety,leading the written register to blend with the base. And, in this way, when thecolour of the word is the same colour of the stand, the former becomes
whispered, fostering the observer’s curiosity, proximity and complicity.
The composition of the image is explored in many ways: Using a metrics, alinear linkage, assuming the suppression of painting and the colour of the rawcanvas of the base, or the shift from a pre-determined palette varying betweenblack, white and a set of greys in-between. In every instance, we witness thecreation of a graphic alphabet which one moment allows us to see the root ofthe work and the next charms us with its expression.
In this room, yet a third group stands out, establishing the connexion betweenthese two complementary approaches. This group, which is closer to the workthe artist creates in the Multipurpose Room, also uses construction materialsand interacts with the words in a tangible rationale which is now translatedinto a two-dimensional register, that of the wall. The materials are laid out on ahorizontal element and establish a lateral sequence, defining a sense ofreading which reinforces and contradicts each word welcomed and/or eachstatement built. Also, these elements assume the proportions and colours ofthe modules used in the paintings, and in this way connect with the remainingpieces.
III
We might say that in the Multipurpose Room we discover the artworks on thebasis of a rational analysis only to find their poetic dimension later. For thisreason, the texts are stated, the materials are straightforward, the compositionis clear, and each element is recognized for what it truly is. Now, in theexhibition room the order is reversed. In this case, we start out enchanted bythe involvement of the composition only to figure out later, slowly, its rationale.For this reason, the words fade away in the colour of the base, the matter ischaracterised by the ink, and the composition has an order which is notimmediate.
In both instances, Mónica Capucho undertakes the construction of a system,of a norm or visual grammar, which is then altered (contradicted andreinforced) by the insertion of the written word. Something which, taking asensitive and intelligent approach, manages frugality and assertiveness,finding meaning in the uniqueness emanating from the artworks. Between ruleand exception, between the whole and the individual, between reason andsensitivity.
Sérgio Fazenda Rodrigues
UNDER PRESSURE | 2017
Centro de Artes e Cultura de Ponde de Sor.
Uma imagem possível para as palavras
Por Martim Dias
Toda a palavra tem a capacidade de construir imagens mentais, assim como as imagensdemonstram, em determinados momentos, a necessidade de encontrar justificações verbaisque as integrem, as definam, ou simplesmente lhes ofereçam uma aproximação àtemporalidade pertencente ao campo da palavra. Vivemos submergidos num universo deimagens e palavras, elementos cujos limites se cruzam com frequência.
O aprofundamento sobre as características intrínsecas ao diálogo estabelecido entre palavra eimagem foi, desde sempre, um fértil campo de debate, como afirma Simónides1, o qualdenomina a pintura como poesia muda e, por outro lado, a poesia como pintura falante. Oséculo XX é rico em manifestações que procuram uma maior relação entre distintos códigos delinguagens. De René Magritte, que procurou comprovar como as palavras e as imagensdiferem nos seus modos de compreensão, a Christopher Wool que, através de um processo deapropriação de textos provenientes das mais diversas fontes, utilizou a repetição e o intervaloentre palavras e letras para romper o seu significado primário. Apesar da abrangência dasinvestigações desenvolvidas em torno deste tema, prevalecem no contexto da artecontemporânea múltiplas linhas de investigação abertas que procuram prosseguir este debateentre dois campos tidos como complementares.
O que significa? Como se define? O que se vê? O que se pode extrair de uma palavra outexto? Estas são algumas das questões basilares numa tentativa de leitura do trabalho deMónica Capucho. São dúvidas que se formam a partir do seu modo de compreender asideias contidas sob códigos verbais, longe da materialização imagética que é familiar aoobservador e que ultrapassa qualquer barreira verbal.
A compreensão de uma obra está composta por uma série de seis passos – olhar, observar,ver, descrever, analisar e interpretar. Num momento como o que se atravessa, mergulhadosnum presente contínuo como afirma Jameson2, Under Pressure convida-nos a umafastamento da pressão inerente à inversão que fazemos do nosso próprio tempo. Estaexposição procura ir além do que é capturado num primeiro olhar, o que é extraído à primeiravista. Aqui propõe-se ao espectador uma aproximação através de um conjunto de mecanismosque relacionam a aprendizagem humana e a compreensão humana, sabendo que cadaindivíduo está constituído como uma textura complexa.
Em Under Pressure é evidente o processo de aproximação entre o visível e o imaginado, combase numa tríade onde se inclui a palavra, a cor e a textura. Esta exposição está orientadapela exploração de figuras de estilo, sob uma ideia de substituição e reinvenção visual,
1 PLUTARCO. De gloria Atheniensium 3.346f. citado por CAMPBELL, David A - Greek Lyric, Volume III,Stesichorus, Ibycus,. Simonides, and Others. Cambridge: Loeb Classical Library. 1991. p. 363.
2 JAMESON, Frederic. El giro cultural: Escritos seleccionados sobre el posmodernismo 1983-1998. Buenos Aires:Manantial. 2010. p. 37.
fundamentadas na contiguidade e semelhança. Com isto surgem, de forma clara, mecanismospróprios da metáfora e da metonímia, elementos comuns no território da palavra, mas que aquise estendem ao campo visual. Com isto, Mónica Capucho procura estabelecer um nexo decumplicidade entre palavra e imagem, no qual a palavra se visualiza e a imagem se textualizanuma relação que esgota a lógica e se transforma numa improvável armadilha para oespectador.
Esta relação estabelecida entre palavra e imagem, seja a mesma bi ou tridimensional,demanda um esforço interpretativo por parte do espectador. Cada trabalho que aqui seapresenta tem a capacidade de existir por si só, na sua unidade, sem deixar, contudo, deprocurar estabelecer novas e inesperadas leituras a partir da complexa relação que se geraentre espectador e conjunto.
Under Pressure procura rever e reescrever a aura das palavras, propondo uma reflexão sobrea sua capacidade de ampliar, distorcer, traduzir ou amplificar o significado que serve de base aum conjunto de palavras ordenadas de forma contínua. Na seleção de obras que compõemeste projeto tudo é imagético, matérico, visível, sendo necessário observar o conjunto, depuraras partes, com a finalidade de estabelecer uma articulação adequada entre os diversoselementos. No caso de algumas das obras apresentadas pode ocorrer um excedente desentido, de compreensão, com base no que não está escrito, no indizível, no que não épensado mas sugerido.
UNDER PRESSURE | 2017
Centro de Artes e Cultura de Ponde de Sor.
A possible image for the words
By Martim Dias
Every word has the power of building mental pictures, in the same way as images show theneed for finding verbal justifications, integrating them at determined moments, defining themor simply offering them an approach to the temporality belonging to the scope of the word.We live sunk in a world of images and words, elements that often cross each other.
The deepening over the features inherent to the dialogue between word and image wasalways a prolific field of discussion, as Simonides1 states. He denominates painting as silentpoetry and, on the other hand, poetry as talking painting. The 20th century is rich indeclarations searching for a bigger relation among different language codes.
From René Magritte, who tried to prove that words and images differ in how they areunderstood, to Christopher Wool, who, trough a process of taking texts of different sources,used the repetition and space between words and letters to break their primary meaning. Inspite of the large scope of research developed around this subject, in the context ofcontemporary art there are several open lines of investigation following this discussionbetween two fields, considered complementary.
What does this mean? How is this defined? What can be seen? What can be drawn out of aword or of a text? These are some of the fundamental questions in an attempt of reading thework of Mónica Capucho. These are doubts that take shape in her way of understanding theideas enclosed in verbal codes, far from the imagetic materialization, familiar to the onlooker,a way that goes beyond any verbal barrier.
The comprehension of a work undergoes a series of six steps- look, observe, see, describe,analyse and interpret. Because we are living the moment, sunk in a continuous present, asJameson2 states, Under Pressure invites us to withdraw from the pressure inherent to thereversal of our own time.
This exhibition seeks to go beyond what is captured at first sight, what can be taken from thefirst viewing. Here the onlooker is given an approach through a number of mechanisms thatconnect human learning and human understanding, in the knowledge that each person ismade of a complex texture.
In Under Pressure the process of converging the visible and the imagined is very clear, basedon a triad that includes the word, the colour and the texture. This exhibition is directed by thesearch of stylistic resources, beneath an idea of replacement and visual reinvention based oncontiguity and similarity.
So, clearly, mechanisms of metaphor and metonymy, common elements in the field of theword come up, but here they are drawn to the visual field. With this in mind Mónica Capuchotries to establish a relation of complicity between word and image. So the word becomesvisible and the image becomes textualized in a connection that wears out logic and becomesan improbable trap for the onlooker.
This connection between word and image, wether bi or tridimensional, asks for an effort ofinterpretation by the onlooker. Each work exhibited here has the capacity of existing on itsown, in its unity. However it tries to establish new and unexpected readings starting from thecomplex relation between the onlooker and the whole.
1 PLUTARCO. De gloria Atheniensium 3.346f. citado por CAMPBELL, David A - Greek Lyric, Volume III,Stesichorus, Ibycus,. Simonides, and Others. Cambridge: Loeb Classical Library. 1991. p. 363.
2 JAMESON, Frederic. El giro cultural: Escritos seleccionados sobre el posmodernismo 1983-1998. Buenos Aires:Manantial. 2010. p. 37.
Under Pressure seeks to write and rewrite the aura of the words, proposing a reflection abouttheir ability to enlarge, distort, translate or amplify the meaning underlying a set of worksordered in an unbroken form. This project is composed of a selection of words in whicheverything is imagetic, material, visible, making it essential to observe the whole set,cleansing each part with the purpose of establishing the appropriate articulation among thevarious elements. In some of the works an excess of meaning, of comprehension, can occur,based on what is not written, on what cannot be said, cannot be thought, can only besuggested.
And if at the beginning of this project we meet the word, at the end an image comes up, anobject or perhaps even a new source of inspiration for the linguistic creation.
UNDER PRESSURE | 2017
Centro de Artes e Cultura de Ponde de Sor.
Una posible imagen para laspalabras
Martin Dias
Toda palabra tiene lacapacidad de construir imágenes mentales, así como las imágenes demuestran, endeterminados momentos, la necesidad de encontrar justificaciones verbales quelas integren, las definan, o que simplemente les ofrezcan una aproximación a latemporalidad perteneciente al ámbito de la palabra. Vivimos sumergidos en ununiverso de imágenes y palabras, elementos cuyos límites se cruzan confrecuencia.
Profundizando sobre lascaracterísticas intrínsecas del diálogo establecido entre palabra e imagen,vemos que este ha sido desde siempre un fértil campo de debate. Desde Simónidesde Ceos 1, quien se refiere a la pintura como poesía muda y, porotro lado, a la poesía como pintura hablante. Hasta el siglo XX, que ha sidorico en manifestaciones que buscan una mayor relación entre distintos códigosde lenguajes. Desde René Magritte, que intentó comprobar cómo las palabras ylas imágenes difieren en sus modos de comprensión, a Christopher Wool quien através de un proceso de apropiación de textos procedentes de las más diversasfuentes, utilizó la repetición y el intervalo entre palabras y letras pararomper su significado original. Pero a pesar del alcance de las investigacionesdesarrolladas en torno a este tema, prevalecen en el contexto del artecontemporáneo múltiples líneas de investigación abiertas, que intentanproseguir este debate entre dos campos considerados complementarios.
¿Qué significa? ¿Cómo sedefine? ¿Qué se ve? ¿Qué se puede extraer de una palabra o de un texto? Estasson algunas de las cuestiones básicas en un inicial intento de lectura deltrabajo de Mónica Capucho. Son dudas que se forman a partir de su modo decomprender las
ideas contenidas bajo códigos verbales, lejos de la materialización de lasimágenes que le son familiares al espectador y que sobrepasan cualquier barreraverbal.
La comprensión de una obra seestructura en una secuencia de seis pasos: Mirar, observar, ver,describir, analizar e interpretar. En un momento como el que atravesamos, sumidos en "un presente continuo"como afirma Jameson2, StillUnder Pressure nos invita a alejarnos de la presión inherente a lainversión que hacemos de nuestro propio tiempo. Esta exposición busca ir másallá de lo que se observa en una primera mirada, lo que se extrae a primera vista. Aquí se propone al espectadoruna aproximación a través de un conjunto de mecanismos que relacionan elaprendizaje y la comprensión humana, sabiendo que cada individuo estáconstituido como una estructura mental compleja.
En Still Under Pressure, el proceso de convergencia de lo visible y loimaginado es muy claro, basado en una tríada que incluye la palabra, el color yla textura. Esta exposición está guiada por la búsqueda de recursos estilísticos,bajo una idea de sustitución y reinvención visual, fundamentada en laproximidad y la semejanza. Con ello surgen, de forma clara, mecanismos de metáfora y de metonimia,elementos comunes en el territorio de la palabra, pero que aquí se extienden alcampo visual. Con ello, Mónica Capucho busca establecer un vínculo decomplicidad entre la palabra y la imagen, en el que la palabra se hace visibley la imagen se convierte en texto, en una relación que agota la lógica y setransforma en una improbable trampa para el espectador.
Esta relación establecidaentre palabra e imagen, sea esta bidimensional o tridimensional, demanda unesfuerzo de interpretación por parte del espectador. Cada trabajo que sepresenta, tiene la capacidad de existir por sí solo, sin dejar de establecernuevas e inesperadas lecturas a partir de la compleja relación que se generaentre espectador y conjunto de las obras.
Still Under Pressure busca revisar y reescribir el aura de las palabras, proponiendo unareflexión sobre su capacidad para ampliar, distorsionar, traducir o amplificarel significado que sirve de base a un conjunto de palabras ordenadas de formacontinua. Este proyecto se compone de una selección de palabras en la que todoes imagen material, todo es visible, por lo que es esencial observar todo elconjunto, limpiando cada parte con el fin de establecer una articulaciónadecuada entre los diversos elementos. En el caso de algunas de las obraspresentadas puede ocurrir que tengan un exceso de significado, de comprensión,en base a lo que no está escrito, en base a lo que no se dice, pero se sugiere.
Y si al principio de esteproyecto nos encontramos con la palabra, al final surge una imagen, un objeto, otal vez incluso una nueva fuente de inspiración para la creación lingüística.
- - -
1 PLUTARCO. Degloria Atheniensium 3.346f. citado por CAMPBELL, David A - Greek
Lyric, Volumen III, Stesichorus, Ibycus,. Simonides, y otros. Cambridge:Loeb Classical Library. 1991. p. 363.
2 JAMESON, Frederic. El giro cultural: Escritos seleccionados sobre el posmodernismo1983-1998. Buenos Aires: Manantial. 2010. p.37.
UNITS OF ORDER | 2016
Biblioteca José Saramago
Mónica Capucho
1
WORDS HAVE FORMS
FORMS HAVE MEANINGS
MEANINGS HAVE FEELINGS
FEELINGS HAVE SENSES
SENSES HAVE COLORS
COLORS HAVE THOUGHTS
THOUGHTS HAVE DREAMS
DREAMS HAVE REALITIES
REALITIES HAVE PATTERNS
PATTERNS HAVE FORMS
FORMSHAVE WORDS
2
WORDS TURN TO SIGNS
SIGNS TURN TO IMAGES
IMAGES TURN TO DREAMS
DREAMS TURN TO REALITIES
REALITIES TURN TO THOUGHTS
THOUGHTS TURN TO LANGUAGES
LANGUAGES TURN TO SIGNS
SIGNSTURN TO WORDS
3
CONCEPT LEADS TO IMAGE
IMAGE LEADS TO REALITY
REALITY LEADS TO LIFE
LIFE LEADS TO PEOPLE
PEOPLE LEAD TO EXPRESSION
EXPRESSION LEADS TO ART
ART LEADS TO IMAGE
IMAGE LEADS TO CONCEPT
4
ART FOR THE PEOPLE
WORK FOR THE PEOPLE
MONEY FOR THE PEOPLE
FUN FOR THE PEOPLE
HAPPINESSFOR THE PEOPLE
UNITS OF ORDER
Looking for something | 2015
Fundação D. Luís. Cascais, Portugal.
Luísa Santos
Looking for something (2015), de Mónica Capucho (1971), é uma série em que a palavra assume-se simultaneamente enquanto sujeito e objecto. Esta série consiste num conjunto de quase uma centena de trabalhos que adoptam formas diversas – ora telas, ora blocos de cimento, ora blocos de gesso, ora segmentos de madeira, ora acrílico transparente, ora papel. Looking for something parece, a uma primeira leitura, colocar a palavra no domínio da imagem.
Uma leitura mais profunda da série permite perceber o mais interessante da sua existência: o conjunto de trabalhos apresenta-se, por um lado, como investigação metódica, aos níveis conceptual e formal, sobre algo desejável mas não definido (something / alguma coisa), e por outro lado, como apelo à relação com o espectador, pelo confronto perante frases que remetem para questões universais do comportamento humano. As frases relacionam-se aqui com os materiais em que são inscritas, acentuando as suas leituras duplas. Trata-se assim, mais do que explorar os aspectos formais da palavra e da matéria, de hiperbolizar os seus significados duplos com recurso a comparações que remetem para observações do mundo que nos rodeia.
A série Looking for something revela camadas com várias leituras que estão muito para lá das sucessivas e irrepreensíveis velaturas da tinta que definem a sua forma. Camada sobre camada, em superfícies espessas, frases sobre diferentes superfícies e cores, revelam tantas camadas de interpretação quantas velaturas. Se olharmos para o momento da arte em que muitos artistas começaram a usar a linguagem como ferramenta, percebemos como o conceito, o processo e a forma se interligam. Por outras palavras, como a palavra pode ser, simultaneamente, sujeito e objecto, conceito e forma.
Na arte conceptual dos anos 60 tornou-se prática comum juntar texto a objectos, ao género de um dicionário com imagem a que a uma imagem correspondia um texto explicativo. Artistas como René Magritte, usaram o texto como anti-arte ou enquanto sentimento anti-estético, numa rejeição clara aos convencionalismos artísticos da época. Nas décadas mais recentes, artistas como Lawrence Weiner, Bruce Nauman, Douglas Gordon e John Baldessari começaram a usar a palavra enquanto trabalho artístico per se. Na arte contemporânea, a palavra tem sido ferramenta para explorar ideias tão diversas como a passagem do tempo; a evolução ou comportamento de um material sobre suportes como papel, pedra e parede; a construção de mensagens tão, aparentemente, absurdas quanto irónicas de observações que nos deixam num impasse entre o riso e a reflexão crítica; e o confronto directo com o observador provocando uma resposta imediata. E é precisamente neste modus operandi, entre reflexão sobre a matéria e observação dos comportamentos sociais e humanos, que o trabalho de Mónica Capucho assenta e onde reside o seu fascínio.
O seu trabalho, na diversidade dos materiais e suportes que utiliza, define situações que convocam o espectador para a redescoberta da palavra e dos seus significados múltiplos através de referências às memórias colectivas que por elas trespassam. Todos os trabalhos da série Looking for something, independentemente da matéria que os forma, são habitados por frases pintadas em letras maiúsculas de um mesmo alfabeto sem patilha, que começam, invariavelmente, por Looking for. Trata-se de uma procura sistemática de um qualquer objecto de desejo com a indefinição inerente à ideia de “something”. Por outras palavras, trata-se de procurar e desejar qualquer coisa, sem saber exactamente como definir aquilo que se deseja.
O conjunto de peças verticais, de 200x5x4 cm, pintadas nos opostos preto / branco, colocam-nos perante mensagens opostas mediante a posição em que estamos. Ora lemos as frases Looking for black, com a dificuldade de legibilidade imposta pela pintura a preto sobre preto, ora Looking for white, com a mesma legibilidade difícil, a branco sobre branco; ora Looking for visibility com letras brancas no grau máximo de visibilidade, pelo contraste com o fundo preto, ora Looking for invisibility, pintada a branco sobre fundo branco, recusando quaisquer contrastes visuais; ora Looking for disorder, ora Looking for order; ora Looking for more, ora Looking for less. Somos assim confrontados, preto no branco, com a permanente insatisfação e os sentimentos contraditórios que nos caracterizam enquanto seres humanos inseridos numa sociedade contemporânea.
As palavras da série Looking for something nem sempre são visíveis a um primeiro olhar. O conjunto de peças horizontais de 5x100x4 cm, pede-nos tempo, já que a legibilidade estará sempre condicionada às condições de luz e sombra inerentes ao espaço e da posição do espectador em relação aos objectos. Muitas vezes, as palavras aparecem pintadas na mesma cor numa tonalidade ligeiramente mais clara ou mais escura que a cor do fundo ou diferenciadas apenas por uma textura diferente. Outras vezes, surgem - palavras e fundo -exactamente na mesma cor, tom e textura pedindo ainda mais atenção de quem as observa. Frases como Looking for balance e Looking for support são pintadas a azul sobre azul; a branco sobre branco desvendam-se frases como Looking for white; Looking for heaven e Looking for discretion; a preto sobre preto Looking for rationality e Looking for mistery; a cinzento sobre cinzento Looking for silence; Looking for simplicity e Looking for sensitivity e a vermelho sobre vermelho podemos ler frases como Looking for red e Looking for love. Se umas vezes as palavras remetem objectivamente para as cores com que são pintadas, outras vezes apelam para o campo subjectivo das emoções que Mónica Capucho associa às cores, concedendo-lhes significados duplos como em Looking for justice pintada a preto sobre preto, num comentário irónico à justiça do tempo em que vivemos.
No mesmo conjunto de peças horizontais, há também frases que parecem saltar do fundo, pela força do contraste de cores a que se associa a força ou a ironia das mensagens: Looking for trouble pintada a preto sobre vermelho; Looking for intensity pintada a azul sobre o seu oposto, o laranja próximo do vermelho; Looking for uniqueness pintada a preto sobre fundo cinzento; Looking for isolation a preto sobre azul. Em qualquer uma das composições, parece sempre que as pinturas assumem uma personalidade própria com as quais nos identificaremos mais ou menos, mediante a nossa própria personalidade.
Numa série anterior, Banded Apparatus (2012), Mónica Capucho escolheu dar instruções precisas sobre o que podemos ver – one gray stripe, pintado a cinzento sobre uma tira igualmente cinzenta, com 5x100x4 cm; twenty gray stripes, pintada a cinzento em uma das vinte tiras de diferentes tonalidades de cinzento com intervalos de tiras brancas. Aqui, as frases pintadas por cima das telas, descreviam-nas factualmente num processo reminiscente de One and Three Chairs (1965) de Joseph Kosuth.
Em Looking for something, a matéria é tratada com o mesmo rigor das séries anteriores, o que implica enorme conhecimento e mestria técnica. Contudo, já não se trata tanto da reflexão sobre aquilo que vemos objectivamente ou do que é feito aquilo que vemos (como nos seus trabalhos de 2000, em que as palavras correspondiam ao nome técnico da tinta com que eram pintadas) mas muito mais de jogos de palavras, muitas vezes complexos e sempre numa relação de subjectividade perante o mundo que nos rodeia.
A materialidade da madeira dos trabalhos , de 185x200cm, da série Looking for something é reforçada pela técnica, com verniz que lhe desvenda os veios, e com as frases que servem, simultaneamente, de descrição do suporte – Looking for wood; Looking for nature – e de duplo sentido para o que a ideia desta matéria remete – Looking for simplicity. As palavras são, na sua etimologia (do Grego, parábola), poderosas construções comparativas. É da configuração da palavra como comparação com algo vivenciado que nasce o trabalho de Mónica Capucho, muito mais do que das formas das letras, das palavras e das frases. É assim, mais da ideia de que as palavras são dispositivos que geram uma articulação de vivências subjectivas a partir de um conjunto de observações sociais e menos a partir de uma estética das palavras enquanto organização visual que as suas composições se desenvolvem.
O trabalho de Mónica Capucho assenta no jogo da recepção, na medida em que todo o leitor reinterpreta, mas segundo possibilidades colocadas no texto, como implicou Mallarmé com a sua poesia simbolista. As peças de cimento, de acrílico, e de gesso, horizontais, de 5x100x4 cm, são exemplares no modo de construção das frases e das palavras que as habitam, com um apelo forte ao acaso, ao jogo e à ironia. Quando lemos Looking for concrete sobre cimento, Looking for transparency sobre acrílico e Looking for matter sobre gesso, é difícil escaparmos à interpretação e à relação com a existência - ou o desejo dessa existência – de alguma coisa concreta, transparente e com importância no nosso quotidiano. As possibilidades de interpretação serão tantas quantas pessoas lerem.
O que o processo compositivo da série Looking for something estabelece, em última instância, numa máquina irónica sobre a multiplicidade de significados da palavra e dos pensamentos que a originam, é a impossibilidade de textos definitivos. Tratam-se de exemplos de propostas que somadas, nas suas interpretações possíveis, traduzem uma ideia abstracta de linguagem. Estamos assim perante composições, interpretações e abstracções que são tão inerentes ao processo de construção de memórias colectivas que formam a sociedade como aos processos da arte, num constante limbo entre subjectividade e objectividade, entre conceito e forma.
Looking for something | 2015
Fundação D. Luís. Cascais, Portugal.
Mónica CapuchoLooking for something (2015) by Monica capucho (1971) is a series in which the word comes forward both as subject and as object. This series consists of a set of almost one hundred works using different materials – canvases, concrete blocks, plaster blocks, wood sections, see through acrylic or paper. Looking for something seems, on a first reading, to set the word in the field of the image.
A deeper reading of the series, however, allows a better understanding of the greater interest of its existence: the set of works appears, on one hand, as a methodical search, both at conceptual and formal levels, for something desirable yet not defined (something); on the other hand as an appeal to a relation with the looker-on through comparison of sentences that send to universal problems of human behaviour. The sentences are here related to the materials where they are inscribed, therefore emphasizing their double readings. More than exploring the formal aspects of the word and the material used, the purpose is to accentuate their double meaning, resorting to comparisons that send us back to observations of the world around us.
The series Looking for something reveals layers with various readings that go far beyond the successive and irreprehensible layers of paint defining its form. Layer upon layer, in dense surfaces, sentences on different surfaces and colours reveal as many layers of interpretation as layers of paint. If we look at that moment in art when many artists began to use language as a tool, we will understand how concept, process and form are linked together. In other words, we will understand how the word can be, at the same time, both subject and object, both concept and form.
In the conceptual art of the sixties it became common practice to add text to objects, like a dictionary with a picture, where to each picture corresponded an explaining text. Artist such as René Magritte used text as an anti-art or as anti-aesthetic feeling, in a clear rejection of the artistic stipulations of that time. In more recent decades, artists such as Lawrence Weiner, Bruce Nauman, Douglas Gordon and John Baldessari, began to use the word has an artistic work, per se. In contemporary art, the word as been the tool to explore ideas as different as: the passing of time; the evolution or behaviour of a material on surfaces such as paper, stone or wall; the construction of massages, apparently as absurd or ironic, of observations, leaving us between a laugh or a critical reflection; and the direct confrontation with the looker-on, causing an immediate response. And it is precisely in this modus operandi, between reflection about the material and observation of social human behaviour that Mónica Capucho’s work lies and there dwells its fascination.Her work, in the variety of materials used, defines situations appealing to the looker-on to re-discover the word and its multiple meanings, through references to the collective memories they embody. All the works in the series Looking for something, besides the material giving then form, are inhabited by sentences painted in capital letters of the same alphabet. They start invariably by Looking For. It is a systematic search for a desirable object, yet not defined, as the idea of Something conveys. In other words, it is all about searching and wanting something without knowing exactly how to define it.
The set of vertical woks, 200X5X4 cm, painted in the opposites black/white, places us in front of opposing messages, according to our position. We either read the sentences Looking for black with the difficulty added by the painting of black letters on black background, or Looking for white with the same problem resulting from white letters painted on a white background; or Looking for visibility with white letters, very clear by contrast on a black surface; or Looking for invisibility, painted white on a white background, refusing any visual contrast; or Looking for disorder, or Looking for order; or Looking for more or Looking for less. We are thus confronted clearly with the permanent dissatisfaction and contradictory feelings proper to human beings living in a contemporary society.
The word of the series Looking for something are not always visible at first sight. The set of Horizontal works, 5X100X4cm, demands time, since the legibility is conditioned by light and shade of the area and by the position of the looker-on in relation to the objects. The words are often painted in the same colour of the background, only slightly darker or lighter, the difference being only in the textures of both letters and background. Other times words and background appear in exactly the same colour, shade and texture, requiring an even greater attention. Sentences such as Looking for balance and Looking for support are painted blue on blue; painted white on white one uncovers sentences such as Looking for white, Looking for heaven and Looking for discretion; painted black on black Looking for rationality and Looking for mystery; painted gray on gray Looking for silence, Looking for simplicity and Looking for sensitivity; and painted red on red we can read sentences such as Looking for red and Looking for love. If sometimes words are objectively connected with the colours used, other times they appeal to the subjective field of emotions that Mónica Capucho associates with the colour, giving then a double meaning, as in Looking For Justice painted black on black, in an ironic remark about the justice of the times we live in.
In the same set of horizontal works there are also sentences standing out from the background by the use of a strong colour contrast, associated with the strength or irony of the messages: Looking for trouble, panted black on red; looking for intensity, painted blue on its opposite colour, orange near red; Looking for uniqueness painted black on gray; Looking for isolation, painted black on blue. In all these compositions it looks as if each painting takes over its own personality, to which we would more or less identify ourselves according to our respective personalities.
In a former series Banded Apparatus (2012), Mónica Capucho chose to give precise instructions about what we could see – One gray stripe, painted gray on an equally gray stripe, 100X5X4cm, Twenty gray stripes painted gray in one of the twenty stripes in several shapes of gray, interspersed with white stripes. Here the sentences painted on the top of the canvases, described them objectively in a process that reminds us of One and Three Chairs (1965) by Joseph Kosuth.
In Looking For Something the material is treated with the same precision of the former series, witch implies a vast knowledge and technical mastership. However it no longer is a reflection of what we objectively see or of what the work we see is made of, (as in her works of 2000, where the words used corresponded to the technical name of the paint). It consists much more of playing with words, sometimes rather complicated and always in a relation of subjectivity before the world surrounding us.
The texture of the wood works, 185X200cm, of the series Looking for something is reinforced by the technique of applying a varnish to enhance the wood veins. The sentences used describe the material Looking for wood, Looking for nature and at the same time have a double meaning pointing to the idea of this material – Looking for simplicity. Words, from their etymology (from Greek, parábola) are powerful comparative constructions. It is from comparing the word with something experienced that Mónica Capucho’s work springs, so much more than from letters, words, sentences. It is so much more from the idea that words are vehicles generating an articulation of subjective experiences coming from word-aesthetics as a visual organization, that her compositions develop.
Mónica Capucho’s work is based on the game of reception, since every reader reinterprets, according to the possibilities set in the text, as Mallarmé implied with his symbolist poetry. The concrete, acrylic and plaster horizontal works, 5X100X4cm, are exemplary in the way of constructing the sentences and words that live in them, with a strong appeal to chance, play and irony. When we read Looking For Concrete on concrete, Looking For Transparency on acrylic or Looking for Matter on Plaster, it is difficult to escape interpreting and relating to the existence – or the desire for that existence – of something concrete, transparent and important in our daily lives. Interpretation possibilities are as many as the readers.
Last but not the least, what the composition process of the series Looking for something establishes, an ironic machine of multiple meanings of the word and thoughts that gave birth to it, is finally the impossibility of definitive texts. It is all about examples of proposals which, together with their possible interpretations, translate an abstract idea of language. We are thus facing compositions, interpretations and abstractions that are as inherent to the process of building the collective memories forming society as the processes, memories forming society as the art processes, in a constant limbo between subjectivity and objectivity, between concept and form.
SENSE & SENSIBILITY
Margarida P. Prieto
Abstract. This paper is about the relation visible/legible implied in the painting/in-scripture gesture, characteristic of paintings by Mónica Capucho. It also indicates the creativity games underlying all possibilities of pictorial accumulation by layers, and the mise-en-abyme made visible throughout site-specific installations.
Keywords: painting, visible/legible, installation, grid, game.
Resumo. Este artigo trata a relação visível/legível proposta no pintar/inscrever que caracteriza a pintura de Mónica Capucho. Aponta ainda os jogos criativos do seu trabalho: as possibilidades pictóricas da sobreposição e o mise-en-abyme da grelha, visível nas instalações site-specific.
Palavras-chave: pintura, visível/legível, instalação, grelha, jogo.
Introdução
Este artigo incide sobre a pintura de Mónica Capucho. Nascida em Lisboa em 1971, está representada nas galerias Quadrado Azul e CC – Arte contemporânea. O seu percurso de aprendizagem artística inicia-se na escola ARCO em 1988. Entre 1990-1993 reside em Bruxelas onde faz o curso intensivo de pintura na Escola de Artes Plásticas ALPACA e um estágio com o escultor Francis Tondeur. Em 1998, licencia-se em Pintura pela FBA-UL.Figura 1. Objective and intentional (da série Objective paintings), 2006, técnica mista, 30x45x6cm.
1. Marca d’água
A aplicação de vernizes (brilhantes/baços) sobre o mesmo pigmento garante-lhe plasticidades distintas, nomeadamente a sensação ocular de profundidade e/ou superfície que abre o espaço da perspectiva na pintura. Este método pode ser pensado como “marca d’água” – termo originalmente aplicado à folha de papel para designar o desenho visível à transparência, que resulta das diferentes densidades e espessuras dessa folha. É “marca” pela aplicação sistematizada tornada estratégia plástica expressiva (Telles de Menezes, 2009, p.8). É “d’água” pela associação ao molhado, à tinta fresca que o brilho convoca, por oposição e contraste com a tinta mate, seca e opaca. O brilhante é reflexivo, luminoso, profundo. O mate tem características de superfície, de primeiro plano. Justapostos iludem profundidade. “Marca d’água” é, ainda, metáfora para as relações finura/espessura, bi/tri dimensionais, plano/saliência, postas em constante diálogo na sua pintura. Nos caracteres – cujo corpo da letra é corpo de tinta, corpo em espessura conseguido pela densidade pastosa do médium – cada letra, termo, frase salienta-se na superfície de representação (Figura 6) e, paralelamente, também a espessura da grade acrescenta uma dimensão escultural ao pintado.
Figura 1. Objective and intentional (da série Objective paintings), 2006, técnica mista, 30x45x6cm.
<!--[if !vml]-->Colecção particular. Fotografia da artista.
2. “The right combination of different elements can provoke a feeling of completeness”. Sense & sensibility (título tomado a Jane Austin) indica as duas características definidoras deste jogo criativo. A articulação entre a sensibilidade, propriamente sensitiva, dos sentidos da percepção, e o sentir enquanto pathos (das paixões, dos gostos, dos desejos) é doseada e reflexiva. É doseada a capacidade interferencial da inscrição na percepção do pictural, pela introdução de um enunciado na superfície pictórica, que sublinha ou desvia sentidos e influência, indica, dirige e manipula o observador. É reflexiva porque joga com os campos imagéticos próprios de cada uma das suas componentes, numa contaminação essencial que faz reverberar o visível no legível, e vice-versa. A linguagem abre o seu campo imagético: articulando-o na e como pintura, amplia a experiência de fruição.
Figura 2. Objective paintings, 2006, técnica mista, dimensões variáveis de montagem.Colecção particular. Fotografia da artista.
3. “In my mind the idea of an organizational structure is continually growing”Em Objective paintings (Figura 1 e Figura 2) os enunciados – irrepetíveis – obedecem à fórmula da dupla adjectivação. Inscrição/fundo são articulados segundo os contrastes fundamentados da teoria das cores.Esta instalação implica uma organização espacial ortogonal – opção recorrente – e releva de uma outra figura geométrica: a grelha. Construída no afastamento que individua e demarca cada peça, no desenho branco da parede/suporte, passa de esquema de organização (criado na manutenção das distâncias entre as peças) a figuração pictural, propondo-se como mise-en-abyme. Contudo, Reason from within recusa múltiplos enquadramentos: dá a ver-se simplesmente, ou antes, infinitamente (Figura 3).A inscrição pintada congrega funções de enunciado, legenda e título. Ao contrário de outros trabalhos (onde ocupa a posição central e destacada como figura principal, assunto da pintura), aqui coloca-se no limite: afasta-se do protagonismo, desloca-se discretamente em direcção ao invisível. A elaboração cuidadosa desta composição (posição, linguagem, idioma) actua directamente na percepção visual: o olhar oscila entre ver e ler.
Figura 3. Reason from within, 2007, técnica mista, 100x100cm.Colecção particular. Fotografia da artista.
4. “Geometric patterns can evoke a rational need to escape from the reality”A figuração geometrizada da superfície espessa-se por camadas sucessivas de tinta, que se sobrepõem sem se cobrir totalmente. O corpus pictórico constrói-se pelo excesso deste fazer, nesta acumulação por layers. A máscara (dispositivo técnico) possibilita o jogo (estrutural) mostrar/esconder. Paralelo à própria lógica do desejo, do jogo erótico (ocultar/exibir), e como estrutura de manifestação da verdade, este jogo é o de toda a criação, na medida em que entre guardar e revelar, entre esconder e pôr em evidência, cria-se expectativa e curiosidade no observador.O tempo é imprescindível neste fazer pintura, neste escrever pictórico. Um último gesto processual inscreve: a pasta preenche cada traço exigindo precisão e rigor na aplicação. Acresce ao fundo geometrizado e faz crescer “qualquer coisa” na pintura. Este “qualquer coisa” é o ampliar da pintura pela articulação cores/palavras: vai exigir um tempo para ver que inclui o tempo de ler. Isoladas, as frases são statments. Como pintura surpreendem: cada pintura parece dizer o mesmo mas mínimas alterações garantem um dizer outro.A repetição é, aqui, da ordem da alteração: repete-se para ficar diferente, para individuar. Na aparente similitude apreende-se a fórmula e, simultaneamente, percepciona-se o que individua: um jogo de estratégias subtis altera o mesmo em direcção ao diferente. Declinações, variações, desvios, repetições introduzem-se na regra como estratégia criativa e/ou de representação desta encenação da ordem.
Figura 4. Origina e Similar (da série “Original/forgery”), 2006, técnica mista, 40x45x4cm + 40x45x4cm.Colecção da artista. Fotografia da artista.
5. “Emotions follow a complex set of tensions between concept versus image”O re-dobrar/des-dobrar do real é uma problemática antiga. A série original/copy (Figura 4), paradigmática do jogo das aparências, ficciona a cópia pela repetição. Da ordem da alusão (eco da oralidade, reflexo da visibilidade), a cópia é pensada como re-figuração – como repetição da representação primeira – como captura da aparência do que é autêntico.Todas as pinturas têm igual presença, importância e cuidado na representação. Contudo, a inscrição remete-as para planos distintos, planos que são critérios de avaliação, de julgamento (múltiplo/original, ilusório/real, falso/verdadeiro, repetido/singular, enganador/autêntico, representação/presentação, cópia/modelo). Este envio perverso é uma artimanha da linguagem. O espaçamento horizontal separa as “original” (em cima) das “copy” (em baixo); acentua o jogo de antónimos: por cima significa superiormente colocado em relação a, que evidencia metáforas. Por cima é o espaço celestial, o mundo elevado das ideias. Alude a Platão, que coloca o modelo e a cópia nos antípodas um do outro. Por baixo, num jogo sinonímico, estão os enunciados que duplicam, repetem, ecoam, reflectem o modelo como outro.
6. “Different sensibility comes from an intuitiveness founded in the imperfections of our mind”Duas fórmulas dividem a representação dos enunciados: Monocromática (Figuras 1, 4 e 5) – cada termo transparece num apagamento que dá lugar ao sentido: a leitura é fácil – Ou policromática (Figura 5) – a plasticidade sobrepõe-se à legibilidade (Lyotard, 1971, p.79). No monocromatismo absoluto (Figura 6), a letra camufla-se, os enunciados dão-se a ver/ler pelos jogos transparente/opaco das tintas e reflexão/absorção da luz/sombra (própria e projectada) dos relevos.
Figura 5. Original (pormenor), (da série “Original/forgery”), 2006, técnica mista, 40x45x4cm.Colecção da artista. Fotografia da artista.
Figura 6. knowledge (da série “Words”), 2005, óleo sobre tela, 30x60x4cm.
Colecção da artista. Fotografia da artista.
Conclusão
Na pintura de Mónica Capucho perpassa um sentido objectual que reside no rigor de um fazer táctil que dá a ver, e a sentir pelo olhar, o jogo das texturas, dos relevos, dos brilhos. Equaciona figuração geometrizada e inscrição pintada na representação/ apresentação da pintura. À morfologia das letras (direcções, curvas, distâncias e relações-entre, que as individuam) a artista aplica uma fórmula: o quadrado enforma o desenho numa nova tipo-grafia. No primeiro plano, cada termo transparece em direcção ao visível para logo desaparecer no lugar do significado. Do tratamento plástico destes caracteres depende a facilidade/dificuldade da leitura: quando a escrita se encena pintura, o enunciado dilui-se na sua morfologia pintada, no corpo espesso da tinta, no irreconhecível.
Referências
CAPUCHO, Mónica: www.mónicacapucho.com
LYOTARD, Jean-François, Discours Figure, Paris, ed. Klincksieck, coll. d’esthétique, 1971 (1ª edição). ISBN : 2 252 03368 2.
TELLES DE MENEZES, Salvato, Introdução, in Under deconstruction: Mónica Capucho/ De la expresíon al contenido: Ana Sério, Valência, Edições IVAM, 2009. ISBN: 978 8448253431
M.P. Prieto - Ema M.
12/2011
BANDED APPARATUS & PAPERWORKExposição (dupla) individual de pintura de Mónica CapuchoGaleria Dois Paços, Torres VedrasAbril/Maio de 2012
Mónica Capucho é uma artista de uma enorme coesão na sua proposta pictórica. No seu trabalho, a poïesis – quer dizer, a capacidade criativa – dá a ver-se como pintura. Uma pintura em potência porque traz consigo enunciados que a carregam de significados. Este carregar é como uma carga, uma força, que se inscreve como linguagem mas ultrapassa em muito a formulação linguística. Ultrapassa pelo gesto com que se inscreve, no próprio pintar de cada letra, na espessura de tinta que sobressai da superfície, do pigmento escolhido e na íntima relação de acumulação de enunciados linguístico e pictórico (seguindo os termos da semiologia).Banded Apparatus é, antes de mais, uma proposta transtextual uma vez que relaciona o texto (linguagem), o pintado (pintura) e o ritmo (música): o texto, pela inscrição vertical em cada pintura a destacar cada letra de uma frase tipo (número cor forma); o pintado, como meio escolhido pela artista para essa inscrição; o ritmo na proposta sequencial da instalação.É na matriz da frase (número, cor, forma) que se encontra a chave destas combinações. O número está implícito no ritmo, impõe-se como pensamento matemático patente na organização do espaço e do tempo em partes (proporções). É essa a experiência in situ desta exposição: uma dança sobre a parede branca (em vez do chão) porque se destina ao olhar. Nesta dança a artista convoca o branco da parede como uma risca mais a participar no aparato. Da proporção e do ritmo nasce a forma e a fórmula: rectângulos verticais criam um aparato de tiras coloridas: Banded Apparatus. O título da exposição não é apenas descritivo é também enunciado poético que celebra a festa da Inauguração. Inaugurar significa fazer como da primeira vez, repetir a primeira vez, ao mesmo tempo que celebra o factum est do trabalho artístico. Assim, a festa é inseparável do ócio como celebração do que foi feito. A ociosidade festiva contém uma dimensão essencial da praxis em que o simples fazer quotidiano não é negado nem abolido, mas apenas suspenso e tornado ocioso. A conclusão deste trabalho criativo consiste na festa da sua exibição, pelo ócio do criador. A inauguração é a festa da ociosidade onde se exibe o que foi criado pois, então, o criador oferece aos outros o seu trabalho.Para além do enunciado genérico, existem enunciados pintados onde as pinturas se descrevem, apontam-se umas às outras ou para si mesmas: duplicam-se pela linguagem (aparentemente).
PaperWork é uma série de pinturas sobre papel onde a inscrição pintada faz referência ao limite que separa o enquadramento da tinta e a superfície suporte. A inscrição parece repetir uma fórmula e, contudo, ora indica, ora mostra, ora coloca um problema ao nível da percepção. A aplicação de uma mesma cor na inscrição facilita a leitura e cada termo torna-se transparente, desaparece para dar lugar ao seu sentido. Mas, exactamente porque «Ceci n’est pas une pipe» ou, nos termos da artista, o enunciado «gray» é inscrito numa outra cor que não o cinzento, cria-se um conflito perceptivo entre o que se vê e o que se lê. Este conflito é manifesto sobretudo ao nível da memória, quando a posteriori, e na tentativa de recordar uma destas obras, cada visitante saberá se é leitor ou observador, justamente porque como leitor se lembrará da cor inscrita, e como observador recordará o pigmento da inscrição.
M. P. Prieto / Ema M.Lisboa, 10 de Março de 2012
Mónica Capucho is an artist who shows an admirable cohesion in her pictorial proposal. In her work the poïesis – meaning the creative talent is translated as painting. A painting enhanced by the other meanings brought along. This acts as a load, a strength witch goes, by far, beyond the linguistic expression. It goes beyond, through the gesture applied in the painting of each letter, in the thickness of paint that stands out against the surface, in the pigment chosen and in the intimate relation of the gathered linguistic and pictorial expressions (following the semiology terms).
Banded Apparatus is, above all, a transtextual proposition since it relates text (language), paint (painting) and rhythm (music). Text, trough the vertical inscription, in each painting, bringing out each letter or a phrase (number, colour, form); paint, as the means chosen by the artist for that inscription; rhythm, through the sequential proposal for the installation.
In the source of the phrase (number, colour, form) can the key to these combinations be found. The number is implied in the rhythm, it imposes itself as mathematical thinking, partly visible in the organization of space and time.
This is the experience in situ of the exhibition: a dance on a white wall (instead of on the floor), since it is meant for the eyes. In this dance the artist summons the white colour on the wall as another band to become part of the apparatus. From the proportion and the rhythm comes out the form and the formula: vertical rectangles create an apparatus of coloured bands: Banded Apparatus. The title for the exhibition is not only a description but also a poetical expression celebrating the festivity of the Opening. To inaugurate means to do as for the first time, as if it were, repeat for the first time and simultaneously celebrate the factum est of the artistic work. In this way festivity cannot be disconnected from leisure as a celebration of the work done. The festive leisure encloses an essential dimension of the praxis in which the plain daily work is neither denied nor abolished, but only suspended and turned idle. The conclusion of the creative work consists on the celebration of this exhibition by the creative leisure. The inauguration is the celebration of leisure where what was created is presented when the creator offers the others his work.
Beyond the generic enunciation there are painted presentations in which the paintings are self- descriptive, pointing to each other or to themselves: they (apparently) double themselves through the use of language.
Paperwork is a serious of paintings on paper where the painted inscription makes a reference to the limit separating the framing of the paint from the supporting surface. The inscription seams to repeat the formula but, however, it either indicates, or shows, or poses a problem at the level of perception. By applying the same colour on the inscription it makes the reading easier and each term becomes transparent, it disappears to give way to its meaning. But exactly because “ceci n’est pas une pipe” or, in the artist’s words, the enunciation “gray” is inscribed on a colour which is not gray, a perceptive conflict arises between what is seen and what is read. This conflict is apparent above all at the level of memory when, a posteriori, and in trying to remember one of these works, each visitor will know if he is a reader or an observer. In the first case he will remember the colour inscribed and in the second one he will remember the colour of the inscription.
Possessive Statement
Consta numa das etapas das Expositions des Arts Incohérents, em 1983, Alphonse Allais terá exibido uma das primeiras manifestações do espaço vazio na história da arte. Apresentou então uma moldura sem tela, a que deu o título Tableau d’à Venir. Desde então, têm sido muitas as formas de o vazio se manifestar, desde a galeria vazia com a montra vazia de Yves Klein, à declaração de Ben N’Expose Pas, de Ben Vautier. A ausência ainda preenche muitas propostas de arte contemporânea, aliás.A exposição que Mónica Capucho apresenta agora segue essa linha, mas incute-lhe uma variação fundamental: a da posse. Começa com uma sequencia de 36 peças em mdf pintadas com várias cores. Estão quase todas dispostas em grandes quadrículas, realçando o vazio que deixam nas paredes brancas. Cada uma delas tem inscrito uma negação: “It Doesn’t Have To Be Like This”, numa das peças, ou “It Doesn’t Have To Be Serious”, numa outra cinzenta, são alguns exemplos. Têm jogos de significados que tanto nos confrontam com cada uma das peças como com toda a exposição.Porém, após várias conjugações, estas peças passam a uma fase em que o vazio predominante se chega ao preenchimento e ao padrão, nas várias acepções do terno. Aí encontram-se cinco telas, de183x183 cm também acompanhadas (confrontadas?) por uma peça de mdf pintado e outras negações inscritas (como “It Doesn’t Have to Be Square”, por exemplo). São telas ocupadas por padrões, obtidos através de um método a que Mónica Capucho gosta de chamar “instinto racional”. A forma como estes padrões preenchem o vazio é notória, remetendo também para as convenções do que poderá ser uma “obra de arte”, enquanto objecto de posse e transacção.A última obra desvenda toda a exposição. É novamente uma peça em mdf, desta vez isolada, colocada na horizontal e num ponto alto da parede. É a única que contem uma afirmação: “It Just Have To Be Mine”, que é uma declaração de posse totalizadora.Ben Vautier complementou o seu Ben N’ Expose Pás com um Ben Expose Partou, assim como a única forma de Arman conseguiu encontrar para responder ao Le Vide de Yves Klein foi o de atafulhar a mesma galeria com tralha. Chamou-lhe Le Plein.
Sérgio Gomes da Costa01/07/2010
Uma questão de pormenor
Durante séculos, a função da pintura foi de contar histórias. Santos, santas, animais, personagens mitológicas, retratos de reis e rainhas, auto-retratos de artistas, até, falavam, para alem ou através da riqueza de cor e luz, dos modos de representar, apropriar e dar a ver o espaço, de uma narrativa implícita: a da mestria de quem fazia, a do poder de quem encomendava e, à medida que a contemporaneidade ia chegando, a história sempre complexa, íntima, pessoal e cada vez mais óbvia do próprio artista.Perante a pintura de Mónica Capucho, que não conta histórias mas que se serve de matéria – prima dessas narrativas para existir, é legitimo recordar essa função antiquíssima da arte. Tudo se passava, no modo antigo de conceber o mundo, como se a multiplicidade de imagens se acrescentasse pouco a pouco à fragmentação do mito. Cada história contada (ilustrada) materializava-se porque havia um pensamento anterior, primordial, que se duplicava e reflectia especularmente nela. Por exemplo: se As Meninas de Velásquez são, alem de um ponto fulcral da história da pintura, a representação figurada da omnipresença do olhar do rei (do poder do rei) no mundo, essa representação foi possível porque a teoria política barroca assim o tinha previamente determinado. Um artista não é um mero propagandista, mas tudo o faz, porque tudo se insere num circulo económico definido num dado tempo histórico, é passível de leitura politica.Regressando às Meninas, o quadro de Velásquez não seria o mesmo sem a leitura do pormenor da imagem dos reis vistos no espelho. É esse pormenor, que ainda hoje só é perceptível por quem mantenha o dom raro de saber ver ou quem conheça a célebre interpretação de Foucault, que dá todo o sentido à pintura. Pintura essa que, aliás, se destinava a reflectir em todo o momento o poder de quem a via: destinada ao palácio real, não seria, como hoje é, objecto de visita apressada pelas multidões que percorrem o Museu do Prado. Digamos que, aqui, o pormenor é elevado à categoria de chave para abrir o sentido da pintura (ao mesmo tempo que um outro pormenor, aliás. O da personagem em pé na abertura da porta, permanece uma incógnita). Nem sempre foi assim; mas pode dizer-se que, para um artista, o pormenor nunca é insignificante. Recordo, por exemplo, os insectos que esvoaçam no meio das naturezas mortas holandesas do século XVII. E que acrescentam sentido à leitura simbólica da riqueza terrena em decomposição que essas pinturas muitas vezes possuíam; ou o gato aterrorizado numa Anunciação de lourenzo Lotto que parece saltar para fora do próprio suporte da pintura, sinal simultâneo da perícia do pintor e da humanidade de Maria que se sobressalta com a visita do anjo.Assim o pormenor é feito para ser visto, ou melhor, descoberto. Trata-se de uma espécie de prémio que é concedido à capacidade de ver, partindo do pressuposto, com se fazia antes da modernidade, que essa capacidade dependia da vontade do espectador. Hoje, é antes o corpo desse mesmo espectador que está em casa nos limites que os órgãos dos sentidos lhe impõem, e também nas próteses de todo o género que se inventam para os superar.Considere-se assim a pintura de Mónica Capucho. Trata-se de telas em que a materialidade do objecto é acentuada pela utilização restrita e texturada da cor. Em primeiro lugar, um jogo erudito e tecnicamente irrepreensível de velaturas sucessivas permite criar superfícies espessas, como se tratasse de esculturas, ressalvando sempre o facto de que a cor e a técnica usadas classifica indubitavelmente estes objectos dentro da disciplina da pintura. Contudo, essa primeira hesitação que o espectador sentirá perante o que vê – trata-se de escultura pendurada na parede, ou de pintura que, em vez de representar o espaço tridimensional, o capta na sua própria essência? – anula-se perante o facto de todas as obras apresentarem palavras escritas. A hesitação entre pintura e escultura deixa de fazer sentido perante esse outro sentido, mais lato, que as palavras indicam ao espírito do espectador.Assim, perante a ausência de representação na pintura de Mónica Capucho - perante a ausência de histórias para contar com base numa qualquer representação figurativa -, ficamo-nos com objectos onde se inscrevem palavras. Acontece que essas palavras nem sempre se dão a ver. A observação depende das condições de luz e sombra, da posição do espectador, da hora do dia. A artista pode escolher pintar as palavras numa tonalidade mais clara ou mais escura que a cor do fundo; ou pelo contrário, representá-las exactamente com o mesmo tom azul ou carmim, de modo a convocar a atenção do espectador para as decifrar. Ou seja, as palavras, na pintura de Mónica Capucho, funcionam sempre como o pormenor de outros tempos que encerrava, desvendando-o, o sentido da obra de arte.Podemos, como é evidente, imaginar uma obra em que as palavras não tivessem sido feitas para ser lidas. Podemos imaginar uma pintura em que a artista guardasse a chave de leitura, e a partir daí a chave também do significado da obra. Conceptualmente, estas pinturas quase monocromáticas , com sugestões de divisões verticais de campos distintos, lembram a pintura de Frank Stella, e levam-nos a recordar uma das frases do minimalista Carl André a propósito dela, depois de ter afirmado que o mesmo Stella sentira a necessidade de pintar riscas:”There’s nothing else to see”. É que, de facto, o que se dá a ver é a pura materialidade do objecto tridimensional a que chamamos pintura – conjugada com o relevo, tão subtil como um pequeno pormenor, das telas que formam diversas palavras escritas.O modo como estas palavras surgem contribui para acrescentar sentido a esta leitura da obra da artista. Numa série anterior, Mónica Capucho escolheu inscrever o nome comercial da tinta usada sobre uma superfície pintada dessa mesma cor. A obra remetia-mos assim para dois códigos diferentes: um, essencialmente visual, e o outro, do domínio da linguística (pois o nomear é o acto metafórico que está na própria raiz do nascimento da linguagem). A serialidade associada a este tipo de obras metaforiza o conceito de colecção, como reunião, catalogação, exposição e conservação de um conjunto coerente de objectos. Se este tipo de trabalho encontra paralelismos bastantes na arte contemporânea – de Lothar Baumgarten a Pedro cabrita Reis -, o sentido que a obra de Mónica Capucho tomava então necessitava de um ponto de viragem para não se tornar redundante.Esse ponto foi alcançado agora – e pode dizer-se que, na série actual, as palavras adquirem um peso proporcional ao do trabalho matérico.Numa série, que apresenta as medidas de 180x50x4 cm elas associam-se automaticamente, sem nexo lógico aparente, embora a artista nos diga que se trata sempre de composições. Noutra, de obras de 60x60x4 cm, apresentam-se frases curtas, como pensamentos espontâneos. Na terceira, finalmente, são afirmações mais complexas. Esta última série é formada por obras com as medidas de 140x200x4 cm, ou de 200x140x4 cm.O moda de construção de frases e das palavras faz um apelo forte ao acaso. Por exemplo, Mónica Capucho pode partir de um texto pré – existente e escolher dentro dele uma ou mais palavras que lhe captem a atenção. Estas são depois compostas, como um jogo de cadáver - esquisito, por associação, completamente ou exclusão mútuas.Por isso, é possível descobrir, numa dessas pinturas, uma frase que nos diz que “this painting is/directly/build with sensibility”... a sensibilidade, ou seja, mesmo aquela que parece mais mecanicamente construída. Neste processo de trabalho que, de tão preciso, lembra o de uma máquina, o corpo, o acaso, a subjectividade e a emoção irrompem sem pedir licença, porque afinal nestes começos do século XXI, já ninguém se ilude com a crença de que é possível dominar esse corpo. No pormenor do que se sente, apenas perceptivél a quem é capaz de o ver, reside todo o sentido da pintura de Mónica Capucho. Mesmo que, como aqui acontece, haja sempre algo, no fim, que permanece por dizer.Luísa soares de OliveiraSetembro 2003
Seriedade e jogo
Entre o sentir e o pensar se situa, sempre, a pintura, um sentir que cobre várias gamas emocionais e outras tantas sensoriais, e o pensar organizando a mente, o espaço, a informação que se dispensa. Olhando para a exposição de pintura de Mónica Capucho apercebemo-nos primeiro de um sistema, aparentemente rígido e programático.Os formatos são três: Dominando o espaço, longas telas de 95x150 cm, divididas cada uma em 10 rectângulos iguais (mais ou menos 42,5x30) cada um da sua cor, nomeada também por letras em relevo. Mais retirada, uma série de pinturas mais pequenas (56x32 cm), dividida cada uma em dois (quase) quadrados com as suas cores respectivos, tendo também letras relevadas que desta vez designam tão somente a sua própria cor e não a do campo onde se instalam. Nas costas de quem entra, duas pinturas colunas, com a altura quase humana (1609) articuladas em sete rectângulos negros todos diferentemente trabalhados e texturados.Aparentemente estamos perante um jogo de escalas de palavras, nomeações, referencias em circulo fechado, onde se pode verificar (e sentir) a diferença entre o que a pintura diz e o que a pintura é. Há um discurso das palavras, certo, aproximativo, ilustrativo, deslocado, auto-referente.Há um discurso da pintura, da sua materialidade e textura, da iluminação que por vezes enruga e modifica as superfícies, quando não, na relação coma luz incandescente, vem o pigmento utilizado modificar a nossa percepção da cor, quero dizer, a cor que reconhecemos não é a que lá está.Mas, afinal, o que lá está?Se bem olharmos verificamos que, caso a caso, melhor dizendo, fragmento a fragmento, rectângulo a rectângulo, esta é uma pintura - placa e esta placa é, afinal, um obstáculo que deixa antever, como a luz, como fresta, como deliberado engano, uma realidade subjacente. Este universo só aparentemente é que está bem ordenado, só aparentemente é que se erige em sistema.Sob a ordem espreita algo outro. O caos? Não o podemos saber. Verificamos, sim, que algo mexe e trabalha sob a cor e as palavras que a nomeiam ou não.Ao sair da exposição o mundo organizado que tínhamos encontrado de início ainda lá está paginando o espaço da galeria, e, pintura a pintura, a sua própria superfície. No entanto sabemos, porque a pintora deliberadamente no-lo fez notar, que tal mundo não é mais que uma aparência e que a pintura ao mostrar esconde sempre. Às certezas seguem-se as dúvidas, à seriedade o jogo.José Luís Porfírio04/04/2000
Diagrama da luz
Catalogando a matéria com rigor, nomeando-a destacadamente, Mónica Capucho não perde nunca o sentido lúdico, o prazer do fazer e da surpresa.Na acumulação matérica da tinta de óleo sobre outras cores diversas previamente estabelecidas, a sedimentação proporciona a criação de uma tensão sensível à superfície, potenciando a diagénese. Escondendo, realçando, subvertendo, Mónica confirma na pintura, mas também noutra escrita, a homenagem que presta à natureza inicial do óleo. Às variáveis resultantes que traçam exemplarmente a infinitude na finitude de um diagrama de luz.Aceitando a espantosa realidade das coisas, quer dizer, da matéria, Mónica constrói, com o essencial, uma obra substantiva, despojada de efeitos, onde a limpidez da luz faz ressaltar a entropia dos grãos. A textura rectilínea tão bem conjugada com a geometria das bandas e das etiquetas.
Este rigor sensível traz-nos à ideia o exemplar percurso de Gerardo Rueda, também na sua procura obstinada da cor.Que não há.Lisboa, 21 de Fevereiro de 2000Carlos Neves de Carvalho
A pintura apartada do visível
Há nestas pinturas de Mónica Capucho várias configurações de leitura: em primeiro lugar, num plano que é de todo imediato e próprio do “ser”das “artes visuais”, impõe-se considerar aqui uma leitura visual. Para começar, tal passa pela indexação das soluções visuais: composicionais ou cromáticas. Se avançarmos para outros planos de leitura (que o próprio trabalho impõe e desviantemente obriga), poderemos verificar que cada novo contexto de interpretação vai discretamente desmentindo a preeminência dessa referida recepção ou leitura visual.Portanto, pelo menos duas outras possibilidades de leitura se proporão para este território, embora advindas das proposições visuais lidas em si mesmas (telas, bases de gesso, cores, texturas, palavras em relevo). Trata-se de considerar as relações entre os “textos” (os “nomes” das cores que identificam cada espaço rectangular correspondido por um valor cromático) e as imagens como, em primeiro lugar, “jogos de linguagens” (considerando também a natureza volátil da existência da cor, o que impele ao jogo das nomeações de certo modo herdeiro do já histórico processo “nominalista pictural”); seguidamente, uma outra componente reforça esta reivindicação de arbitrariedade na relação cor/nome – refiro-me à dupla fisicalidade destes quadros, quer fazendo corresponder a cada campo de cor um preciso padrão textural (é claro que é arbitrariedade que aqui reina, na medida em que a pincelada vertical ou horizontal não interpreta nenhuma cor, o que nos monocromos negros é bem patente, pois aí vemos, compartimentada e indiferenciadamente, rigorosas gestualidades, ora na vertical ora na horizontal); quer, sobretudo, fazendo inscrever (através de “formas” próprias) os nomes das cores em “baixo-relevo” nos campos respectivos.Estes campos de cor manifestam-se numa composição minimalizada, pois a grelha de distribuição dos rectângulos não podia ser mais simples: uma linha horizontal divide o campo da tela em duas partes iguais e cada um destes dois rectângulos dá origem a vários outros justapostos e idênticos. Como vimos, a cada um corresponde uma cor - valor , uma textura e um “nome” inscrito em relevo, o qual diz aquilo que se vê “warm grei”, “raw umber”, “cold grey” etc.As várias hipóteses de leitura assim propiciadas explicitam-se deste modo : elementaridade da composição (ou mesmo apagamento composicional); fisicalidade da escrita e das texturações de cada campo de cor, arbitrariedade, quando não mesmo troca intencional e inversão, de nomes e cores (sobre violeta pode escrever-se, por exemplo, “ivory black”). Tudo contribuindo como veremos, para desvalorizar uma leitura uma leitura situada exclusivamente na recepção visual. Essa desvalorização do visível vai-se ampliando na persistência da observação até se equivaler a um nível de leitura mais conceptual, como o que privilegia o “jogo de linguagem” e a critica da própria linguagem como corpo neutro de “informação” (recorde-se, era nesta crença que se fundava todo o conceptualismo linguístico – desde Kosuth e da tese da arte como “preposição analítica”).Insistindo numa leitura exclusivamente visual, diremos estar em presença de enunciados tautológicos. Isto, repita-se, se optarmos pela exclusividade imediata da presença reduzida ao que se vê (vício civilizacional, o da verificabilidade).Como a classificação da cor - valor tende, por escrito, a dizer o mesmo da sua materialização na tela (sempre em superfícies planas, embora texturadas - pelo gosto), estamos perante multiplicados tautológicos, na medida em que esta sinaliza a repetição de uma ideia por meios diferentes.Distintivamente de uma “proposição”, para Wittgenstein, a tautologia (“titanium white” sobre um rectângulo branco) não diz nada, não mostra a sua forma de significar, não possui “condições” porque é incondicionalmente verdadeira.(Em lógica, tautologias são formulas válidas que especificamente no plano da lógica sentencial, depois de submetidas a várias operações dão sempre “V” – verdadeiro).Mas a presença da tautologia nestas telas é aparente, pois embora elas se apresentem sempre em dupla grafia (imagem e palavra, mostrar e nomear, figurar e dizer) a autora recorre a dois processos para a contradizer. Em primeiro lugar, em algumas telas a palavra aponta um valor cromático distinto do seu suporte de inscrição ; mas há outra estratégia mais subtil – pendente da questão do relevo das inscrições.Os valores cromáticos percepcionados só correspondem ás inscrições em concretas condições lumínicas. Isto é, as cores nada mais são do que o resultado da observação das radiações luminosas pelos materiais – o que resta e não foi absorvido é - nos, como se sabe, “devolvido” em forma de “sensação de cor”. O que varia a este nível não varia no plano da linguagem – “titanium white” está em permanência escrito e relevado na superfície da tela; podemos de qualquer maneira ler a palavra tacteano. Resumindo, há um momento e um determinado conjunto de condições em que a cor e palavra correspondem. Fora disso, sabemos existir uma descoincidência entre o mostrado e o dito.Contudo há ainda, para usar uma expressão de Michel Foucault (Ceci n’est pas une pipe, 1973), uma conciliação parcial, só que dependentemente de factores externos á própria tela. Kosuth, em Art After Philosophy (1969), escreveu: “A.J. Ayer, ao avaliar a distinção kantiana entre o analítico e o sintético, diz algo que nos pode ser útil: “Uma proposição é analítica quando a sua validade depende exclusivamente das definições de símbolos que contém, e sintética quando a sua validade está determinada pelos factos da experiência”. A analogia que quero estabelecer refere-se à condição artística e à da proposição analítica.De certo modo, seguindo este raciocínio ainda que com algum esquematismo, verificamos de imediato que estas pinturas não se situam nem no plano da tautologia 8que aparentavam desde inicio da observação), nem na proposição analítica, como pretendida pelo conceptualismo linguístico. Estas telas dependem de múltiplos factores da experiencia, apontam para o exterior, renunciam à neutralidade da linguagem para lhe conferir um “corpo físico”, apontando entretanto para uma troca de inscrições e cores. Em primeira e última instância, estas nomeações transportam conceitos e cor. E. Wittgenstein interroga-se : não existirão pessoas cujos conceitos de cor se distanciam dos nossos’ assim se pode soltar, pelo menos parcialmente, a ligação entre a inscrição e a cor que a acompanha, ou seja, o peso intrínseco da linguagem, da mesma linguagem sobre a qual Roland Barthes dizia ser um instrumento autoritário, não porque interdita, mas antes porque obriga a dizer.O jogo aqui pode ser outro – passa por admitir a hipótese de dizer algo ao mesmo tempo próximo e muito afastado daquilo que se mostra e sabe que existe.Carlos Vidal24/02/2000